Artigo: Estatuto da Pessoa com Deficiência: a revisão da teoria das incapacidades e os reflexos jurídicos na ótica do notário e do registrador – Por Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

* Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro

Em 07 de julho de 2015 foi publicada a Lei nº 13.146/2015, Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também nomeada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, comvacatio legis de 180 dias. Este Estatuto traz diversas garantias para os portadores de deficiência de todos os tipos, com reflexos nas mais diversas áreas do Direito, especialmente com sensíveis alterações no Código Civil Brasileiro.
De saída, deve-se esclarecer que o Estatuto em questão está lastreado na Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), que foi o primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado pelo Congresso Nacional conforme o procedimento qualificado do § 3º do art. 5º da Constituição Federal (promulgado pelo Decreto nº 6.949/09 e em vigor no plano interno desde 25/8/2009). Portanto, a mencionada convenção internacional possui status de norma constitucional.O objetivo humanista da CDPD consagra inovadora visão jurídica a respeito da pessoa com deficiência. Nesse modelo, a deficiência não pode se justificar pelas limitações pessoais decorrentes de uma patologia. A ideia fulcral parece ser a de substituir o chamado “modelo médico” – que busca desenfreadamente reabilitar a pessoa anormal para se adequar à sociedade –, por um modelo “social humanitário” – que tem por missão reabilitar a sociedade para eliminar os entraves e os muros de exclusão, garantindo ao deficiente uma vida independente e a possibilidade de ser inserido em comunidade. Nesse sentido reconheceu o preâmbulo da CDPD que “a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

Por tudo isso, fundado nas melhores lições do direito civil constitucional, o Estatuto da Pessoa com Deficiência intensifica a chamada “repersonalização do direito civil”, colocando a pessoa humana no centro das preocupações do Direito. Exatamente nessa medida, a novellegislação revisitou alguns institutos fundamentais do direito civil na tentativa de conferir igualdade no exercício da capacidade jurídica por parte da pessoa com deficiência. Em realidade, como conclui Pablo Stolze, “trata-se, indiscutivelmente, de um sistema normativo inclusivo, que homenageia o princípio da dignidade da pessoa humana em diversos níveis. 1

Antes de tudo, é fundamental entender o alcance da expressão “pessoa com deficiência”. Nos termos do art. 2º da Lei nº 13.146/2015, “considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

As notas e os registros públicos são instituições que, em razão de suas atribuições, estarão diretamente envolvidas com a aplicação efetiva do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Não por acaso, o art. 83, caput, do Estatuto determina que, sob pena de discriminação, “os serviços notariais e de registro não podem negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão de deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade”.

Com efeito, partindo-se para a análise dos efetivos reflexos do Estatuto no direito positivo, parece indiscutível que houve verdadeira reestruturação na teoria das incapacidades, além de notórias repercussões em diversos institutos do direito de família, como o casamento, a interdição e a curatela.

Foram revogados todos os incisos do art. 3º do Código Civil, que tinha a seguinte redação: “São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de dezesseis anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade”. Também foi alterado o caput do comando legal, passando a estabelecer que “são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos”.

Em síntese, o sistema privado brasileiro passa a ter apenas uma hipótese de incapacidade absoluta: os menores de 16 anos. Assim, não existe mais pessoa absolutamente incapaz que seja maior de idade. Por conseguinte, não há que se falar mais em ação de interdição absoluta no sistema civil, pois os menores não são interditados.

De sua vez, o art. 4º do Código Civil também foi modificado de forma considerável pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. O seu inciso II não faz mais referência às “pessoas com discernimento reduzido”, que não são mais consideradas relativamente incapazes, como antes estava regulamentado. Apenas foram mantidas no diploma as menções aos ébrios habituais (entendidos como os alcoólatras) e aos viciados em tóxicos, que continuam dependendo de um processo de interdição relativa, com sentença judicial, para que sua incapacidade seja reconhecida. Também foi alterado o inciso III do art. 4º do Código Civil, sem mencionar mais os “excepcionais sem desenvolvimento completo”. A redação anterior tinha incidência para o portador de síndrome de Down, não considerado mais um incapaz.

A nova redação dessa norma (art. 4º, III) passa a arrolar as pessoas que, “por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir vontade” – que antes estava previsto no inciso III do art. 3º como situação típica de incapacidade absoluta. Agora a hipótese é de incapacidade relativa. Em resumo, nos termos da nova redação do art. 4º, “são incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos; III – aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; IV – os pródigos”.

Mencione-se, a propósito, que as alterações trazidas pelo Estatuto no que toca o regime das incapacidades rompeu uma tradição, vez que, historicamente, no direito brasileiro, o portador de transtorno mental sempre foi tratado como incapaz. É verdade que com algumas variações de termos e grau, mas assim o foi nas Ordenações Filipinas, no Código Civil de 1916 e também no atual Código Civil de 2002, sob o argumento de proteção, em prejuízo da sua autonomia e, por vezes, da sua dignidade.

Comentando a boa iniciativa do Estatuto em conferir capacidade para a pessoa com deficiência psíquica ou intelectual o professor Nelson Rosenvald destaca que “Não se pode mais admitir uma incapacidade legal absoluta que resulte em morte civil da pessoa, com a transferência compulsória das decisões e escolhas existenciais para o curador. Por mais grave que se pronuncie a patologia, é fundamental que as faculdades residuais da pessoa sejam preservadas, sobremaneira às que digam respeito as suas crenças, valores e afetos, num âmbito condizente com o seu real e concreto quadro psicofísico. Ou seja, na qualidade de valor, o status personae não se reduz à capacidade intelectiva da pessoa, posto funcionalizada à satisfação das suas necessidades existenciais, que transcendem o plano puramente objetivo do trânsito das titularidades”. 2

Esta nova teoria das incapacidades que passa a vigorar com o Estatuto da Pessoa com Deficiência requer cautela destacada por parte dos notários e registradores quando da prática dos atos de sua competência. Nesse ponto, os atos, fatos ou negócios jurídicos que são levados às serventias notariais e de registro devem passam por cautelosa qualificação jurídica, haja vista os inúmeros efeitos jurídicos decorrentes das modificações promovidas pelo Estatuto.

Averiguando-se alguns reflexos imediatos do novo regime jurídico das incapacidades, de pronto, pode-se inferir que todas as pessoas que foram interditadas em razão de enfermidade ou deficiência mental passam, com a entrada em vigor do Estatuto, a serem consideradas, ope legis, plenamente capazes. Vale dizer, tratando-se de lei que versa sobre o estado da pessoa natural, a disposição normativa tem eficácia e aplicabilidade imediata.

Em outras palavras, será desnecessária qualquer medida judicial tendente ao levantamento da interdição decretada com arrimo na legislação civil moribunda. Todavia, providência fundamental a ser promovida será a averbação do levantamento da interdição no “Livro E” do Registro Civil das Pessoas Naturais em que esta foi inscrita. Apesar de não ter este ato natureza desconstitutiva – vez que a cessação da incapacidade dar-se-á, automaticamente, com a entrada em vigor da Lei nº 13.146/2015 – tal averbação garante, além da primazia da realidade nos registros públicos, a adequada publicidade da cessação da incapacidade daquela pessoa, evitando-se, assim, possíveis prejuízos ao próprio registrado e a terceiros. Somente com esta averbação permitir-se-á que terceiros tenham efetivo conhecimento de que aquele individuo não é mais interdito e goza de plena capacidade, garantindo-se segurança jurídica aos atos e negócios jurídicos futuros.

Outra consequência jurídica importante a ser considerada refere-se ao fato de que sendo o deficiente, o enfermo ou o excepcional pessoa plenamente capaz, não poderá, de regra, ser representado nem assistido, ou seja, deverá praticar pessoalmente os atos da vida civil.

Veja, também, que sendo o deficiente, o enfermo ou o excepcional pessoa plenamente capaz, a prescrição e a decadência correrão normalmente contra ele. Atualmente, lembre-se, por força dos artigos 198, I e 208 do CC, a prescrição e a decadência não correm contra os absolutamente incapazes.

No campo do direito dos contratos, e aqui a atenção dos notários deve ser destacada, sendo o deficiente, o enfermo ou o excepcional pessoa plenamente capaz, para receber doação terá de exprimir sua vontade, o que, atualmente, não é necessário em sendo absolutamente incapaz (art. 543 do CC). Hoje, a doação se aperfeiçoa sem que este manifeste sua vontade (há uma presunção da vontade). Com o Estatuto, essa pessoa, plenamente capaz, precisará aceitar a doação.

Na seara da responsabilidade civil, sendo o deficiente, o enfermo ou o excepcional pessoa plenamente capaz passará a responder exclusivamente com seus próprios bens pelos danos que causar a terceiros, afastando-se a responsabilidade subsidiária criada atualmente pelo artigo 928 do Código Civil. Recorde-se, a propósito, que pela sistemática do Codex, quem responde precipuamente pelos danos causados pelos incapazes são seus representantes legais (pais, tutores e curadores).

Relevantíssima alteração promovida pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência ocorrerá no direito de família. O Estatuto revoga o inciso I do artigo 1.548 do Código Civil que prevê ser nulo o casamento do “enfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil”. Nesse espírito, com a entrada em vigor do diploma em testilha, pessoas com deficiência poderão constituir família, seja matrimonial, convivencial ou qualquer outro arranjo familiar que lhes aprouver. Sobre o tema, o art. 6º do Estatuto traz regras fundamentais quanto ao direito de família envolvendo pessoas com deficiência. Diz o dispositivo: “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para: I –casar-se e constituir união estável; II – exercer direitos sexuais e reprodutivos; III –exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar; IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória; V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”.

Nesta seara, concordamos com a posição do professor José Fernando Simão: “Nesta questão o Estatuto merece elogios. Não é toda a deficiência que retira o discernimento para a tomada de decisão de constituição de família e de sua formação. Contudo, há de se salientar, que mesmo com a mudança legal, a decisão de se casar é um ato de vontade. Se a vontade não existir em razão da deficiência, inexistente será o casamento”. 3

Notadamente, quanto à nova regra que deixa de considerar como nulo o casamento doenfermo mental sem o necessário discernimento para os atos da vida civil, é de importante observação para os registradores civis das pessoas naturais a questão de direito intertemporal que envolve os casamentos ocorridos antes e depois da entrada em vigor do Estatuto. Assim, caso tenha ocorrido um casamento de uma pessoa deficiente, sem discernimento para os atos da vida civil, antes da vigência do Estatuto, este casamento nasceu nulo por afronta ao inciso I do artigo 1.548 do CC e não se torna “válido” pela alteração legislativa. Prevalece, pois, a lei do momento da celebração do casamento. Destarte, os enfermos mentais sem o discernimento para os atos da vida civil estarão aptos ao matrimônio a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em janeiro de 2016.

De outro lado, ressalta-se, ainda, que o Estatuto não alterou a redação do artigo 1.550 do Código Civil que trata da anulabilidade do casamento. Rememore-se, aliás, que em seu inciso IV, o dispositivo prevê que “é anulável o casamento do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento”. Assim, pode-se concluir que o casamento do deficiente que for incapaz de consentir ou manifestar de modo inequívoco o seu consentimento pode ser anulável, mas não nulo.

Quadra anotar, por oportuno, que o Estatuto acrescenta um § 2º ao art. 1.550, admitindo que “A pessoa com deficiência mental ou intelectual em idade núbia (sic) poderá contrair matrimônio, expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu responsável ou curador”.

Neste dispositivo andou mal o legislador. Sem falar do equívoco com a língua portuguesa (já que o termo correto seria “idade núbil”), permitiu-se que a vontade de casar seja manifestada pelo curador do deficiente. Ora, a vontade é elemento essencial ao casamento e ninguém se casa senão por sponte propria. Admitir a manifestação da vontade pelo curador carece de lógica jurídica e contraria a natureza personalíssima do casamento. A escorregada legislativa aqui foi tamanha que houve ululante contradição com o próprio art. 85 do Estatuto, que determina a atuação do curador do deficiente apenas e tão somente para os atos de natureza patrimonial e negocial.

Por último, mas não menos importante, convém analisar o instituto da curatela, redesenhado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em razão do seu artigo 84, § 1º, o Estatuto possibilita que “Quando necessário, a pessoa com deficiência será submetida à curatela, conforme a lei”. Traz, assim, situação jurídica inovadora no direito brasileiro: a curatela de pessoa capaz. A orientação do Estatuto é clarividente no sentido de que mesmo com a curatela, não temos uma pessoa incapaz, isto é, a pessoa com deficiência é dotada de capacidade legal, ainda que se valha de institutos assistenciais para a condução da sua própria vida.

No sistema atual, o curador representa os absolutamente incapazes e assiste os relativamente incapazes. Com a vigência do Estatuto, haverá a categoria de pessoas capazes sob curatela. Apesar de elogiosa a previsão legislativa, há um desafio a ser enfrentado: qual seria a função do curador do deficiente, representá-lo ou assisti-lo?

Como se trata de pessoa capaz, não há no sistema uma resposta a essa indagação. Parece razoável responder à pergunta com o art. 85, § 2º, do Estatuto que sentencia: “A curatela constitui medida extraordinária, devendo constar da sentença as razões e motivações de sua definição, preservados os interesses do curatelado”. Assim, depreende-se que caberá ao juiz definir se o curador do deficiente, que prossegue sendo capaz, deverá representá-lo ou assisti-lo. De todo modo, deve ser observada a limitação da curatela prevista no caput do artigo 85, ou seja, “a curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”.

Gize-se que a questão proposta é de grande relevância para o tabelionato de notas, no âmbito de instrumentalização pelos notários da vontade das partes, mormente na qualificação notarial do ato a ser confeccionado.

De mais a mais, para a devida publicidade da decisão judicial que concede a curatela a deficiente é essencial que seja ela inscrita no registro civil das pessoas naturais, sendo correto, em nosso sentir, que seja averbada no registro natalício daquele indivíduo. Nessa ordem de ideais, convém esclarecer que as averbações no registro civil das pessoas naturais são previstas em lei em rol não taxativo, justamente para que novas situações jurídicas que impliquem no estado da pessoa natural possam ingressar no registro público preservando a individualidade e dignidade humanas. Desta averbação deverá constar a especialização do ato judicial que concedeu a curatela, a qualificação do curador que estará legalmente habilitado para atuar em nome do deficiente, assim como os poderes nos quais estarão investidos o curador (assistência ou representação) e os seus limites.

Ainda sobre esta temática, deve-se perquirir qual a consequência jurídica da ausência de representação ou assistência na prática de um ato pelo deficiente que, por decisão judicial, deveria ser representado ou assistido?

A princípio, como o deficiente é pessoa capaz o ato é plenamente válido. Todavia, em nosso sentir, essa resposta torna a curatela do deficiente absolutamente inútil e não lhe garante a proteção jurídica que visa o Estatuto. Assim, a vontade do deficiente capaz sob curatela, manifestada de per si, não será suficiente para a prática dos atos da vida civil, devendo o operador do direito socorrer-se da aplicação analógica das disposições dos artigos 166, I e 171, I, ambos do Código Civil. Nesse peculiar, o contrato assinado exclusivamente por deficiente capaz, mas sob curatela, será nulo se o juiz fixar em sentença que o curador o representa (aplicação do art. 166, I do CC por analogia) ou anulável se fixar que o assiste (aplicação do art. 171, I do CC por analogia).

A rigor, na melhor hermenêutica jurídica, tratando-se de situações de invalidades – portanto, falamos de hipóteses excepcionais ao sistema que veicula como regra a capacidade civil – a interpretação deveria ser restrita, sem emprego de analogia. Ocorre, porém, que em virtude da aludida situação jurídica sui generis– que terá como fato gerador a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (“capazes sob curatela”) –, não se vislumbra outra saída, sob pena de se tornar inócuo o regime protetivo sugerido pelanovel legislação.

Quanto à legitimidade para a promoção da medida judicial que definirá a curatela de pessoa capaz, há imbróglio decorrente de verdadeiro “abalroamento legislativo”, oriundo da entrada em vigor de duas legislações que se aniquilarão: o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o novo Código de Processo Civil.

Cumpre anotar, inicialmente, que cuidou o legislador para não falar de “interdição”, já que esta, naturalmente, só se refere a incapazes. Nesse contexto, a nova redação que o Estatuto dá ao caput do artigo 1768 do Código Civil suprimiu a palavra “interdição” e a substituiu por “processo que define os termos da curatela”.

O art. 1.768 passará a ter a seguinte redação: “O processo que define os termos da curatela deve ser promovido: I – pelos pais ou tutores; II – pelo cônjuge, ou por qualquer parente; III – pelo Ministério Público; IV – pela própria pessoa”. Os três primeiros incisos não sofreram qualquer alteração. Entrementes, o dispositivo ganha um quarto inciso, inovador pela possibilidade de a própria pessoa requerer a sua curatela.

A grande questão a ser observada é que o novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15) expressamente revoga o artigo 1.768 do Código Civil (art. 1.072, II), que é alterado pelo Estatuto. Isso porque o novo CPC, em seu artigo 747, prevê quem pode promover a interdição: “ I – pelo cônjuge ou companheiro; I – pelos parentes ou tutores; III – pelo representante da entidade em que se encontra abrigado p interditando; III – pelo Ministério Público.

Analisando a vacância de ambas as leis, exsurge situação teratológica. A vacatio legis do Estatuto é de 180 dias, contados a partir da publicação (7 de julho de 2015); e a vacatio do novo CPC é de 1 ano (publicação em 17 de março de 2015). Desse modo, por conclusão, a vida do artigo 1768 do Código Civil, com a redação dada pelo Estatuto será curtíssima: em janeiro de 2016 entra em vigor o Estatuto e prevalece a nova redação do art. 1768, que será revogado em março de 2016, subsistindo, a partir de março, o artigo 747 do novo CPC. Notório, pois, o descuido do legislador neste ponto.

Diante do exposto, foi possível concluir que a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, enraizado nos objetivos traçados pela Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, promoverá a reconfiguração de clássicos institutos e teorias do direito privado em prol de uma nova realidade jurídica das pessoas com deficiência. A toda evidência, não foi objetivo dessas linhas esgotar todos as implicações do Estatuto no direito positivo, mas apenas uma convocação para reflexão dos proeminentes abalos sistêmicos que serão gerados em razão de sua entrada em vigor e, por consequência, a necessidade de cautela dos notários e registradores na prática dos atos de suas respectivas atribuições.

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Referências

1. Disponível em  http://jus.com.br/artigos/41381/o-estatuto-da-pessoa-com-deficiencia-e-o-sistema-juridico-brasileiro-de-incapacidade-civil.

2. Disponível na rede social do autor: facebook.com/nelsonrosenvald

3. Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-ago-07/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-traz-mudancas#author

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* Moacyr Petrocelli de Ávila Ribeiro é Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Município de Platina, São Paulo. Colunista do Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal. Contato: moacyrpetrocelli@hotmail.com
Fonte: Notariado | 26/08/2015.

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STJ: Terceira Turma admite colação de bens exigida por filho nascido após doação do patrimônio

A doação feita de ascendente para descendente não é inválida, mas impõe ao donatário que não seja único herdeiro a obrigação de trazer o patrimônio recebido à colação quando da morte do doador a fim de que sejam igualadas as cotas de cada um na partilha.

Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão da Justiça de São Paulo que reconheceu a um filho nascido fora do casamento o direito de exigir a colação dos demais herdeiros, os quais haviam recebido imóveis em doação antes mesmo de seu nascimento.

No entanto, como a doação foi feita não só aos herdeiros necessários então existentes, mas também aos seus cônjuges, os ministros decidiram que a colação deve ser admitida apenas sobre 25% dos imóveis.

A colação é disciplinada no Código Civil a partir do artigo 2.002.

Doação total

Em 1987, o autor da herança e sua esposa fizeram doação de todos os bens imóveis de que dispunham aos três filhos e respectivos cônjuges, em proporções iguais para cada um. Ocorre que, 11 meses após a doação, nasceu mais um herdeiro do autor da herança, fruto de relacionamento extraconjugal. Em 2003, o pai morreu e não deixou bens a inventariar.

O menor, então, requereu a abertura do inventário do pai e ingressou com incidente de colação, requerendo que todos os bens recebidos em doação pelos filhos e cônjuges fossem conferidos nos autos.

O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que fossem colacionados 50% dos bens doados, já que a outra metade foi doada pela mulher do falecido. Os donatários recorreram ao STJ contra a colação alegando que o filho mais novo nem sequer havia sido concebido quando as doações foram feitas.

Inoficiosa

Ao analisar o recurso, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, esclareceu que, para efeito de cumprimento do dever de colação, é irrelevante se o herdeiro nasceu antes ou após a doação. Também não há diferença entre os descendentes, se são irmãos germanos, unilaterais ou supervenientes à eventual separação ou divórcio do doador.

“O ato do falecido de doar, juntamente com sua esposa, todos os bens aos filhos, em detrimento do filho caçula fruto de outro relacionamento, ainda que este tenha sido concebido posteriormente, torna inoficiosa a doação no tocante ao que excede a parte disponível do patrimônio mais as respectivas frações da legítima, porque caracterizado o indevido avanço da liberalidade sobre a legítima do herdeiro preterido”, afirmou Bellizze.

Cônjuges

O ministro destacou que o dever de colacionar os bens recebidos a título de liberalidade só seria dispensado se o doador tivesse manifestado expressamente o desejo de que a doação fosse extraída da metade disponível de seus bens, o que não ocorreu no caso.

Ele considerou, porém, a peculiaridade de que a doação foi feita a cada filho e seu respectivo cônjuge. Observando que metade da doação correspondia à parte da mãe, o ministro concluiu que os filhos donatários receberam do pai falecido 25% dos imóveis, já que os outros 25% o autor da herança doou de sua parte disponível aos cônjuges dos filhos.

Assim, a turma atendeu parcialmente ao recurso e determinou que a obrigação de colacionar recaia apenas sobre a parte que os filhos do falecido efetivamente receberam do pai, equivalente a 25% dos bens imóveis.

Leia o acórdão.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1298864.

Fonte: STJ | 26/08/2015.

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TRF/1 – DECISÃO: É legal a cobrança de juros remuneratórios antes da entrega das chaves de imóvel financiado pelo SFH

Não se considera abusiva cláusula contratual que preveja a cobrança de juros antes da entrega das chaves, por conferir maior transparência ao contrato e vir ao encontro do direito à informação do consumidor, abrindo a possibilidade de correção de eventuais abusos. Com esse entendimento, a 6ª Turma do TRF da 1ª Região rejeitou o pedido de mutuário para que fosse declarada nula cláusula de contrato firmado com a Caixa Econômica Federal (CEF)  obrigando-o a pagar os denominados “juros de construção”.

O Juízo da 3ª Vara da Subseção Judiciária de Montes Claros (MG) já havia julgado improcedente o pedido ao fundamento de que “não se configura abusiva a cláusula sétima do contrato que estabelece a cobrança de juros, correção monetária e comissão pecuniária do Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHAB), em contrato de mútuo vinculado à promessa de compra e venda, antes da entrega das chaves”.

Em suas razões recursais, o mutuário requer a reforma da sentença quanto à cobrança de juros na fase de construção e em relação à capitalização de juros, decorrente de sua cobrança sem a devida amortização do saldo devedor, por considerar tal cobrança abusiva.

Decisão

Ao analisar o caso, o Colegiado entendeu que o apelante não tem razão em seus recursos. Para tanto, citou jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que “não se considera abusiva cláusula contratual que preveja a cobrança de juros antes da entrega das chaves, que, ademais, confere maior transparência ao contrato e vem ao encontro do direito à informação do consumidor (art. 6º, III, do CDC), abrindo a possibilidade de correção de eventuais abusos”.

Ademais, “o artigo 75 da Lei 11.977/2009, elaborado de acordo com o processo legislativo constitucionalmente previsto, acrescentou o artigo 15-A à Lei 4.380/1964, permitindo a pactuação de juros com periodicidade mensal nas operações realizadas pelas entidades integrantes do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), ponderou a Turma.

A decisão seguiu o voto do relator, desembargador federal Daniel Paes Ribeiro.

Processo nº 0002466-70.2013.4.01.3807/MG
Data do julgamento: 3/8/2015
Data de publicação: 14/8/2015

Fonte: TRF/1ª Região | 25/08/2015.

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