A TEMPESTADE VAI PASSAR – Por Amilton Alvares

*Amilton Alvares

Quando Noé deixou-se trancar na arca com a família e um monte de animais, Noé só tinha uma certeza, a de que estava nas mãos de um Pai amoroso e misericordioso. Dessa forma, quando as águas subiram e a arca começou a vagar sem rumo, debaixo do dilúvio e da escuridão, certamente Noé teve paz por saber que Deus iria tirar da tormenta sua família e ele.

Não sei qual tormenta alcançou você neste mundo em crise. Tem muita gente sofrendo. Andando pela vida a gente sempre encontra corações inquietos, às vezes sem esperança, sem expectativa positiva diante do futuro que se anuncia sombrio. É nessa hora que a nossa fé tem de falar mais alto do que a crise. A fé tem de estar alicerçada e bem ancorada em alguém superior a nós, que tenha todo o poder sobre todas as coisas, que seja nosso abrigo. Mais do que isto, alguém que além de ter o controle sobre tudo, tenha o amor para nos ouvir e andar conosco no meio da tribulação. Este alguém só pode ser Deus!

Noé tinha a certeza de que as águas iriam baixar e que ele ainda pisaria terra firme. Independentemente das circunstâncias, Noé sabia que a arca não seria o seu túmulo nem a sepultura de sua família. E nós, pela fé, podemos ter a certeza de que a poeira vai baixar e que a crise vai passar, porque crise sempre passa. E se não passar nesta vida, passará na eternidade com Deus, porque este mundo não foi feito para ser o túmulo do homem. Sempre prevalecerá a paz do nosso Senhor Jesus Cristo, paz que excede a todo entendimento. Porque Deus é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, de acordo com o seu poder que atua em nós (Efésios 3:20). Ânimo amigos! Se a palavra de ordem é perseverar, perseveremos então nas boas promessas do nosso Salvador. Porque as circunstâncias não podem mudar o caráter de Deus!  A vereda do justo é como o raiar da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito (Provérbios 4:18). E a crise, a corrupção, a enfermidade ou qualquer outra adversidade não podem roubar a nossa esperança em Cristo Jesus.

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* O autor é Procurador da República aposentado, Oficial do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP, colaborador do Portal do Registro de Imóveis (www.PORTALdoRI.com.br) e colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI.

Como citar este artigo: ÁLVARES, Amilton. A TEMPESTADE VAI PASSAR, Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 098/2015, de 28/05/2015. Disponível em https://www.portaldori.com.br/2015/05/28/a-tempestade-vai-passar-por-amilton-alvares/. Acesso em XX/XX/XX, às XX:XX.

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Artigo: Loteamento fechado, condomínio de lotes e condomínio deitado mutável – Por Rafael Ricardo Gruber

* Rafael Ricardo Gruber

O crescimento populacional das cidades – em especial das cidades polos-regionais e grandes metrópoles – fortalece a demanda por maior número de unidades habitacionais. Para tanto, as políticas modernas de desenvolvimento urbano encontram duas alternativas para tal oferta: a primeira é a expansão em novas áreas, antes rurais, ao perímetro urbano; a segunda é a construção de edifícios em planos horizontais, aumentando o potencial de densidade demográfica dos grandes centros urbanos.

O primeiro mecanismo é tratado pelo direito como parcelamento do solo, regulado precipuamente pela Lei 6.766/79, cuja finalidade é dividir uma grande gleba em diversos lotes aptos a serem utilizados para construção. O parcelamento do solo é dividido pela lei em duas modalidades: loteamento ou desmembramento. Neste, o parcelador divide lotes sem a necessidade de abertura ou extensão de ruas ou de novos espaços públicos. Já naquele, o loteador se incumbe de abertura de novas vias de circulação e espaços públicos de forma a viabilizar que cada lote tenha acesso direto às ruas (públicas) de circulação, e que estas se integrem com as vias urbanas preexistentes na cidade. A característica marcante do loteamento é que a gleba loteada dá origem a áreas consideradas públicas (ruas e espaços livres), cabendo ao loteador os lotes, conforme o projeto aprovado e registrado.

O segundo mecanismo mencionado – a construção de edifícios em planos horizontais – é regido em nosso direito precipuamente pela Lei 4.591/64. Esta lei regula, na primeira parte, os condomínios edilícios – agora complementada e em partes alterada pelas disposições do Código Civil de 2002; na segunda parte, a lei especifica a incorporação imobiliária. Nem todo condomínio edilício é precedido de uma incorporação imobiliária, pois esta só é exigível nos casos em que o empreendedor deseje negociar unidades imobiliárias vinculadas a frações ideais de terreno antes da conclusão das obras. Se o empreendedor concluir a obra para só depois vender unidades autônomas, poderá se valer diretamente da instituição e especificação do condomínio, que então dará origem a diversas unidades, com parte de propriedade exclusiva e parte (fração) em área comum para todos os condôminos. A figura do condomínio edilício se presta a aumentar a disponibilidade de unidades habitacionais por meio da viabilização de diversas unidades sobre um mesmo lote, e se caracteriza pela ausência de novas áreas públicas, pois no condomínio edilício as áreas são todas privadas: parte exclusiva, e parte em regime de condomínio especial.

A lei 4.591/64 admite também a instituição de condomínios de casas, que pode ser realizado pelo incorporador em área maior, que pode contar com vias internas (particulares) para que os condôminos circulem, e que construa cada unidade imobiliária sobre uma área, usualmente atribuindo propriedade exclusiva a cada condômino de sua casa e também de parte de jardim frontal ou aos fundos, como se fossem lotes.

No registro de imóveis cada um dos tipos de empreendimentos – loteamento ou incorporação imobiliária com condomínio edilício – tem tratamentos específicos, e se tratam de registros especiais. Cabe ao Registrador o dever de fiscalizar aspectos documentais e legais, a fim de assegurar que o empreendedor está cumprindo deveres urbanísticos e que não recai insegurança jurídica ou econômica sobre o empreendimento. O Registrador atua na tutela dos interesses difusos (do planejamento urbano e meio ambiente, por exemplo) e também na defesa preventiva de interesses dos potenciais adquirentes de unidades. Daí a importância do processo prévio de registro – perante o Oficial de Registro de Imóveis competente – previsto pelas leis 4.5791/64 e 6.766/79. O tabelião de notas deve também estar atento às exigências legais, e não pode instrumentalizar negócios de compra e venda de lotes ou de unidades em construção sem que os empreendimentos estejam previamente registrados no Registro de Imóveis.

Estas formas tradicionais de condomínio e loteamento, contudo, não tem mais atendido integralmente aos anseios da sociedade. A falta de segurança pública e a deficiência de serviços públicos têm levado a outras formas de empreendimentos, em que o morador possa desfrutar de maior espaço livre com a segurança propiciada por poder controlar (ou restringir) acesso das pessoas às áreas comuns (ou públicas). Aí surgiu, há décadas, os conceitos de “loteamento fechado” ou de “condomínio de lotes”. Estas figuras “híbridas” surgiram de fato, mas sem uma lei federal que as regule, nem permitindo e nem proibindo.

No Estado de São Paulo, em decisão da Corregedoria Geral da Justiça em 1996, de relatoria do Dr. Francisco Loureiro, ficou assentado que “condomínio de lotes” era burla aos requisitos da Lei 6.766/79. No caso, o empreendedor, da Comarca de Campos do Jordão, obteve registro de “condomínio edilício”, na forma da Lei 4.591/64, mas, na realidade, não se propunha a vender unidades habitacionais prontas, mas tão somente os lotes. Na fundamentação de tal acórdão, afirmou o relator que admitir o registro do loteamento como se condomínio fosse, significaria aniquilar a Lei do Parcelamento do Solo Urbano. Não mais haveria controle urbanístico e ver-se-ia privada a Municipalidade de expressivo espaço público. A médio prazo, estaria comprometido o próprio sistema viário, uma vez que as cidades estariam totalmente tomadas e cercadas por grandes “guetos” privados. Na mesma decisão (em 1996), Francisco Loureiro citou Kiotsi Chicuta e José Afonso da Silva:
Em 1989, dizia Kiotsi Chicuta que não se admite a implantação de tais loteamentos sob o rótulo de “condomínios especiais”, em manifesta fraude à Lei do Parcelamento do Solo. Não há previsão em nosso direito positivo, de um tertum genus entre “loteamento fechado” e “condomínio deitado”. Não se admite que, ao sabor dos interesses do momento, crie-se uma figura jurídica híbrida de loteamento e condomínio, aplicando, tão-só, a parte de cada lei que atenda à conveniência do empreendedor (cf. parecer do Juiz Kioitsi Chicuta, in Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, ano de 1989, verbete 78).

Na época, dizia também José Afonso da Silva que tais ‘loteamentos fechados’ juridicamente não existem; não há legislação que os ampare, constituem uma distorção e uma deformação de duas instituições jurídicas: do aproveitamento condominial do espaço e do loteamento ou do desmembramento. É mais uma técnica de especulação imobiliária, sem as limitações, as obrigações e os ônus que o Direito Urbanístico impõe aos arruadores e loteadores do solo” (Direito urbanístico brasileiro, 2a ed., Malheiros, p. 313-314).

Mais recentemente, apesar de vozes em contrário – que não admitem as figuras híbridas por considerá-las burla a lei de loteamento, como Dr. João Bastista Galhardo – a doutrina majoritária e jurisprudência tem admitido duas figuras “híbridas”, que quando cumprindo determinados requisitos têm recebido alguma proteção jurídica: uma baseada na lei 6.766/79 – denominada no cotidiano de “loteamento fechado” e outra baseada na lei 4.591/64, conhecido popularmente como “condomínio deitado, ou condomínio de lotes”. Para receberem proteção jurídica, cada uma destes tertium genus devem se submeter às seguintes regras e requisitos: O dito “loteamento fechado” seria mais bem definido como “loteamento de acesso controlado”. É inexorável que com o registro do loteamento no Registro de Imóveis, as áreas de circulação e áreas públicas passam automaticamente ao domínio do município, por força do art. 22 da Lei 6.766/79. Assim, não há como impedir este efeito. Contudo, na prática e na doutrina, tem-se admitido que os municípios façam concessão de uso dos bens públicos (como ruas e equipamentos de lazer) inseridos em determinado loteamento para os moradores daquela área, com fundamento na competência para legislar sobre assuntos locais (art. 30 CF).

Esta concessão de uso dos bens públicos aos particulares usualmente envolve a transferência de responsabilidade pelos serviços de limpeza e coleta de lixo no perímetro concedido, e usualmente as associações de moradores assumem a responsabilidade e o ônus da prestação de tais serviços, repartindo os custos entre os associados. A doutrina diverge sobre a possibilidade de tal concessão de uso permitir aos particulares proibirem acesso de terceiros à área do loteamento. Há consenso que nestes casos pode ser controlado o acesso – vale dizer, que se possa exigir identificação das pessoas que entram. Por outro lado, pela aparente colisão com a liberdade de locomoção prevista no art. 5º, XV da Constituição Federal, há quem sustente que não é lícito impedir a entrada das pessoas identificadas, mesmo que estranhas ao loteamento.

A E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em parecer de 2014 da Dr. Ana Luiza Villa Nova, aprovada pelo Dr. Hamilton E. Akel, entendeu pela impossibilidade de averbação nas matrículas do loteamento – para publicidade erga omnes – da condição de concessão das áreas públicas à Associação de Moradores. A intenção do apresentante, com parecer favorável do Ministério Público, era averbar para dar publicidade sobre a condição de “loteamento fechado”, para fins de rateio das despesas de custeio e manutenção da infraestrutura, para atuais e futuros adquirentes de lotes. Entendeu a E. CGJ-SP que se trata de mera questão obrigacional entre os associados/moradores, não tendo ingresso no fólio real, por não ter impacto nos direitos reais. Citou Afrânio de Carvalho, que ensina: “(…) o registro não é o desaguadouro comum de todos e quaisquer títulos, senão apenas daqueles que confiram posição jurídico-real, como os constantes da enumeração da nova Lei do Registro (art. 167).” (Registro de Imóveis. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 236).

Pela natureza jurídica desta modalidade de empreendimento, pode-se dizer que enquanto durar a concessão do município para que os particulares utilizem as áreas públicas o loteamento “estará fechado”. Isso porque, as áreas de circulação são bens públicos, e a concessão dos bens públicos aos particulares poderá ser revogada quando houver interesses públicos que justifiquem. Assim, por um lado esta figura atende os anseios de moradores, mas a precariedade da concessão de uso das áreas públicas dão ao município poder de retomar o bem caso lhe seja conveniente. Isso faz recair sobre os particulares o receio de que a eventual “abertura do loteamento” prejudique as comodidades anteriormente existentes, causando também possível desvalorização aos imóveis.

A fim de afastar este risco causado pela precariedade da concessão dos bens públicos aos moradores, alguns empreendedores têm buscado meios para viabilizar empreendimentos baseados na Lei 4.591/64, pela qual as áreas internas – mesmo as ruas e espaços comuns – continuam sendo particulares, sob a forma de fração ideal aos condôminos. Há quem denomine tal figura de “condomínio de lotes”, mas os requisitos que fazem tal formato ser aceito na jurisprudência talvez indiquem mais adequado a expressão “condomínio deitado mutável”, cunhada por Guerra e Guerra (in Yoshida, Figueiredo e Amadei – Direito Notarial e Registral Avançado, RT, 2014).

A expressão “condomínio de lotes” leva a entender que o art. 3º do Decreto Lei 271/67 ainda tem aplicação, e que as obras sujeitas ao incorporador seriam as vias de circulação e outros espaços coletivos. Mas apesar de grande parte da doutrina e jurisprudência entender que o DL271/67 foi derrogado pela lei 6.766/79, saudoso Dr. Gilberto Valente da Silva, em 1995, sustentou que seria aplicável, assim afirmando: “Não há fundamento sério para se sustentar que o referido texto não se aplica às hipóteses como se está pretendendo, pois todo condomínio pressupõe construção. O legislador fez uma equiparação expressa, possibilitando a existência de condomínio sem construção das unidades porque as edificações de que trata o art. 1º da Lei nº 4.591/64 são, nas obras de infraestrutura do loteamento, as vias de circulação, as galerias de águas pluviais, a portaria, etc.”. Mais recentemente, Dr. João Pedro Lamana Paiva ainda entende ser possível aplicar tal norma federal, se em consonância com leis municipais a respeito.

No Estado de São Paulo, entretanto, o “condomínio de lotes”, mesmo sem construção (nem projeto de construção das unidades autônomas) não tem sido admitido em decisões administrativas dos últimos anos. Contudo, ainda não houve julgamento de caso levado a registro após a nova redação das Normas de Serviço dada pelo Provimento 37/2013, que inseriu no item 222.2 uma regra clara considerando válido o art. 3º do Decreto Lei 271/67. Esta norma trata o condomínio de lotes como incorporação, equiparando as obras de infraestrutura com as edificações. O item 229 do capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo mencionou figuras de “condomínios assemelhados”, incluindo entre estas figuras expressamente o condomínio de lotes, a multipropriedade (timesharing), cemitérios e clubes de campo. Aparentemente, tal norma terá o condão de alterar a aplicação da questão nas futuras decisões administrativas no estado de São Paulo. Decisões administrativas de outros Estados, com fundamento em normas locais, já tem admitido esta modalidade.

Apesar das decisões administrativas dos últimos anos terem rechaçado a legalidade do “condomínio de lotes” (ao menos de casos anteriores à redação dos itens 222.2 e 229 do capítulo XX das NSCGJ pelo Provimento 37/2013), no Estado de São Paulo tem-se admitido figura muito próxima, que é o “condomínio deitado mutável”. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar em 2012 Recurso Especial interposto pelo Ministério Público contra acórdão da Quinta Câmara de Direito Privado do E. TJ-SP, manteve o acórdão, que entende ser aplicável a lei 4.591/64 para condomínio deitado mesmo que o incorporador transferisse ao adquirente a responsabilidade pela construção das respectivas unidades autônomas. Neste acórdão, foram destacados os seguintes requisitos: i) deve o incorporador cumprir os documentos, projetos e autorizações da Lei 4.591/64; ii) o incorporador deve, ao menos apresentar a planta de projeto aprovado pela prefeitura de cada uma das casas a serem construídas como unidades autônomas; iii) o incorporador deve assumir a responsabilidade pela construção das áreas comuns e infraestrutura; iv) o projeto deve ser aprovado pelo Município, e se for o caso pelos órgãos ambientais ou urbanísticos competentes. Uma questão importante enfrentada pelo acórdão foi o reconhecimento de que a construção pode ser realizada pelo adquirente da unidade imobiliária, com fundamento nos artigos 48 e 58 a 62 da Lei 4.591/64. (STJ – REsp nº 709.403 – SP – 4ª Turma – Rel. Min. Raul Araújo – DJ 10.02.2012).

Neste caso, em se transferindo ao adquirente a responsabilidade pela construção das casas, deve-se admitir a averbação parcial das obras incorporação, conforme os proprietários concluam as obras de suas unidades autônomas. O Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo já admitiu a averbação de construção de parte das unidades descritas no memorial de incorporação imobiliária (apelação 10.292-0/0, da Comarca de Barueri, julgado em 06/11/1989).

Alguma divergência ainda recai sobre a questão de ser mutável ou imutável o projeto de cada casa a ser construída pelo adquirente da unidade imobiliária, na forma do julgado do STJ mencionado. Há quem sustente que como o projeto das casas faz parte da instituição do condomínio, qualquer alteração de uma unidade imobiliária demandaria a necessária anuência unânime dos condôminos (art. 1.351 CC), e refazimento dos cálculos de frações ideais, que se daria por transferência parcial da propriedade do solo, por escritura pública a ser registrada.

Visando sanar esta questão, Guerra e Guerra (in Yoshida, Figueiredo e Amadei) defendem que seria possível tratar como unidade exclusiva apenas a área de terreno atribuída a cada unidade. Neste caso, a construção em cada unidade, apesar de essencial para a existência do condomínio, seria questão de uso interno da propriedade exclusiva, e não precisaria alterar a incorporação para que o adquirente alterasse o projeto de sua casa. Mas advertem que o projeto constante no momento da incorporação não pode ser alterado pelo incorporador sem anuência de todos (art. 43, IV da Lei 4.591/64). Contudo, quando a responsabilidade pela construção é assumida pelo adquirente, e a construção é tratada na incorporação e convenção como mera questão de uso interno da propriedade exclusiva, a alteração pelo próprio adquirente seria plenamente possível, dispensando a concordância dos demais condôminos. Só deveria tal condômino observar a legislação municipal e as normas da convenção sobre construção e uso comum.

Neste caso, a fração ideal de cada unidade é medida conforme o tamanho da área de terreno a ela atribuída, ou ainda uma fração atribuída “por cabeça”, em partes iguais para cada unidade, e não se considera no cálculo da fração ideal as construções. A ABNT menciona a área construída como critério para fração, mas a nova redação do art. 1331§3º do CC deixa a critério do profissional e do empreendedor a definição de tal forma de cálculo, desde que seja razoável do ponto de vista matemático e jurídico. Adotados estes cuidados na incorporação e convenção, facilita-se a alteração dos projetos de cada unidade, pois a questão da fração só seria relevante se envolvesse a área construída no cálculo. Assim, dispensar-se-ia a alteração na propriedade das frações comuns e o que a anuência unânime dos condôminos para a alteração do projeto de construção de cada unidade autônoma.

Percebe-se que a doutrina e jurisprudência têm se alterado nas últimas décadas na interpretação destes fenômenos do desenvolvimento e ordenamento urbano no Brasil. Se de um lado os particulares desejam novos arranjos e ordenamento visando melhor qualidade de vida, por outro lado é dever do Estado assegurar a ordenação dos espaços urbanos para a coletividade. Na harmonização destes interesses, algumas vezes conflitantes, é dever do Registrador imobiliário verificar se os projetos atendem à legislação – atento às normas locais e à jurisprudência administrativa e jurisdicional –, atuando com profilaxia e proteção aos mais diversos interesses, especialmente dos adquirentes de lotes ou unidades imobiliárias para que desfrutem de segurança jurídica, e dos interesses da coletividade quanto ao ordenamento urbanístico e desenvolvimento local.

* Rafael Ricardo Gruber é Tabelião Titular do 2º Tabelião de Notas e Protesto de Botucatu-SP. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral e em Direito Civil.  Contato: rrgruber@gmail.com

Fonte: Notariado | 26/05/2015.

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1ªVRP/SP: não existe norma expressa no nosso ordenamento jurídico dispondo que para haver renuncia dos bens por parte de Fundações deve ser expedido alvará judicial

Processo 1010235-78.2015.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – 17º O Oficial de Registro de Imóveis – Fundação Mary Harriet Speers – Dúvida – registro de escritura de renúncia de imóvel por Fundação – autorização expressa do Ministério Público – desnecessidade de Alvará Judicial – dúvida improcedente. Vistos. Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Fundação Mary Harriet Speers, tendo em vista a negativa em se proceder ao registro da escritura pública de renúncia de propriedade, autorizada pelo Promotor de Justiça Airton Grazzioli, referente aos imóveis matriculados sob nºs 30.856, 30.851, 30.861, 2.408 e 30.852. O óbice registrário refere-se à ausência de autorização judicial, consubstanciada na expedição de Alvará, necessário na hipótese de alienação de imóveis de propriedade de fundações, sendo aplicada norma por analogia aos casos de renúncia no entendimento do Registrador (artigo 69 do Código Civil). Juntou documentos (fls. 05/55). A suscitada, em sua impugnação (fls. 59/63), alega que no presente caso não se trata de alienação de bens, mas de renúncia, podendo ser levada a efeito somente com autorização do Curador de Fundações. Informa que a Serventia Extrajudicial tratou a questão como se fosse uma Fundação na iminência de extinção, todavia a suscitada está em plena atividade, com a regular realização de seus projetos sociais. Ressalta que os Acórdãos e documentos juntados pelo Registrador datam de aproximadamente vinte anos, ou seja, quando a realidade era totalmente diversa da atual, bem como, ao contrário do que faz crer o Oficial, a suscitada não detém a posse dos bens há anos e não há como reivindicá-los judicialmente, por ter se operado a prescrição aquisitiva em favor dos posseiros. O Ministério Público das Fundações e de Registros Públicos opinaram pela improcedência da dúvida (fls.176/275 e 279). É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir. Pretende a suscitada o registro da escritura de renúncia dos imóveis matriculados sob nºs 30.856, 30.851, 30.861, 2.408 e 30.852, junto ao 17º Registro de Imóveis da Capital. Verifico que o óbice referente à necessidade de expedição de Alvará Judicial para proceder ao ato registrário não merece prosperar. De acordo com o artigo 1275 do Código Civil, perde-se a propriedade: “I – por alienação; II – pela renúncia; III – por abandono; IV – por perecimento da coisa; V – por desapropriação” Ao contrário do que alega o Registrador, a presente hipótese envolve renúncia ao direito de propriedade e não de alienação dos bens imóveis. Assim, há que se ressaltar que não existe norma expressa no nosso ordenamento jurídico dispondo que para haver renuncia dos bens por parte de Fundações deve ser expedido alvará judicial, ficando a cargo do intérprete valer-se dos princípios inerentes ao direito para suprir a lacuna apontada. Alienação e renúncia são institutos jurídicos distintos. Como é sabido, a alienação consiste na retirada de um bem da esfera de patrimônio de um sujeito e a incorporação do mesmo bem ao patrimônio de outro sujeito. Geralmente ocorre por negócio jurídico entre vivos. Pode ser a título oneroso ou gratuito, formalizando-se, por exemplo, pela venda e compra ou pela doação, e poderá ocorrer por decisão judicial, quando houver a expedição de carta de adjudicação em favor de determinada pessoa. Sobre a alienação, ensina Luciano de Camargo Penteado: “A primeira modalidade de perda da propriedade é a alienação. A alienação consiste em ato dispositivo, que pode ser praticado por negócio entre vivos ou ainda por decisão judicial. A alienação consiste no fato de tornar um bem objeto do direito de propriedade de outro sujeito de direitos. Deste modo, aliena quem doa, quem vende e compra, o juiz quando assina um auto de arrematação”. (PENTEADO, Luciano Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008). A renuncia, diferentemente da alienação, não depende de transferência de patrimônio para concretizar-se. É ato jurídico unilateral, no qual uma pessoa abre mão da propriedade de determinado bem. A renúncia de bens móveis aperfeiçoa-se com a declaração inequívoca de vontade de determinada pessoa em não mais querer exercer o domínio sobre bem seu, não dependendo neste caso de alvará judicial, já que representa a vontade unilateral de não mais querer o domínio dos imóveis. De acordo com o art. 66 do Código Civil, cabe ao Ministério Público velar pelos atos praticados pelas Fundações, desde a sua constituição até extinção. Velar pelas fundações, conforme conclui a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, “significa exercer toda a atividade fiscalizadora, de modo efetivo e eficiente, em ação contínua e constante, a fim de verificar se realizam os seus órgãos dirigentes proveitosa gerência da fundação de modo a alcançar, de forma mais completa, a vontade do instituidor”. Daí conclui-se que, as fundações só podem ser levadas a registro com a aprovação dos seus estatutos pelo Ministério Público, o qual autorizará, por escrito, a lavratura da escritura definitiva em Tabelião de Notas de livre escolha do instituidor que, contando com a indispensável presença do Promotor de Justiça – Curador de Fundações como interveniente, fará nascer a nova entidade fundacional, razão pela qual o promotor de justiça detendo poderes para autorização de escritura de constituição da fundação, por certo também os detém para renunciar ao direito de propriedade, não sendo necessária a intervenção judicial para o ato. Assim, ressalvados os direitos de terceiros e respeitados os requisitos necessários para a lavratura da escritura pública de renúncia, dentre os quais, os princípios relativos à qualificação, especialidade subjetiva e objetiva e continuidade, é apta ao registro a escritura pública que tenha por objeto renunciar o direito de propriedade do bem imóvel, firmada pelo Ministério Público das Fundações, representado pelos Promotores de Justiça. Neste contexto, como bem explanado pelos Drsº Airton Grazzioli e Edson José Rafael, na obra: “Fundações Privadas – doutrina e prática”: “ A Fundação poderá requerer, diretamente ao Curador de Fundações do Ministério Público a autorização para alienar determinado bem, pela via administrativa, pois não se olvida que as atribuições deste órgão abranjam desde a autorização para a instituição da fundação, aprovação ou rejeição de contas, abertura ou fechamento de livros, até a eventual extinção da fundação, além de possuir outros poderes inerentes ao exercício do velamento das fundações”. Ademais, verifica-se na presente caso que os lotes se localizam na Favela Funerária, no Parque Novo Mundo, tendo sido incorporados ao patrimônio da Fundação por legado da falecida instituidora, sendo que atualmente tais imóveis encontram-se invadidos e não há medida judicial cabível para reavê-los, uma vez que pelo prazo prescricional operou-se o instituo da usucapião em favor dos invasores. O fato de figurar a Fundação como proprietária dos bens está gerando elevados gastos financeiros, em seu prejuízo. Os bens não estão mais sendo utilizados para a consecução dos seus fins sociais, constituindo, consequentemente, ônus com os elevados custos para pagamento de impostos, dentre outros encargos, sendo que o patrimônio de uma fundação é destinado a atingir a finalidade de sua criação, e não constituir um gravame. Por fim, conforme os documentos de fls.199/242, é prática comum nas Serventias Extrajudiciais o registro da escrituras públicas de aquisição, alienação ou renúncia de bens imóveis de Fundações, administrativamente, somente com autorização expressa do Ministério Público, sem alvará judicial. Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de Fundação Mary Harriet Speers, e determino o registro do instrumento apresentado. Não há custas, despesas processuais, nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos com as cautelas de praxe. P.R.I.C. – ADV: EDITH APARECIDA BENTO (OAB 84737/SP)

Fonte: DJE/SP | 27/05/2015.

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