Artigo: A procuração para venda de imóvel diante da morte – Por Frank Wendell Chossani

*Frank Wendell Chossani

Com o dinamismo das relações imobiliárias, e a multiplicação de responsabilidade e compromissos pessoais, é cada vez mais comum a representação para a prática da venda de imóveis, ocasião em que a procuração costuma exercer papel importante.

A procuração, como se extrai da lei, instrumentaliza o mandato, operando-se o último quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses (Código Civil – art. 653).

Apenas para constar, representação, mandato e procuração não se tratam da mesma coisa, mas ao que se propõe o presente texto, não é necessário o aprofundamento sobre o tema.

Quando se trata de venda de imóvel, a escritura pública é essencial à validade do negócio jurídico sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País (Código Civil – art. 108), e por assim ser, o mandato deve ser instrumentalizado por procuração pública, em tal caso.

O que ocorre por vezes é a morte daquele que outorgou poderes, antes mesmo que tenha se operado os fins estabelecidos no instrumento.
Daí surge uma pertinente questão: a procuração para venda de imóvel extingue-se com a morte do outorgante?

O assunto não é novo, nem por isso merece ser tratado com desídia, haja vista que a pergunta é feita diariamente nos cartórios de notas.

Como regra, o mandato, que no caso é instrumentalizado pela procuração, perde seus efeitos com a morte de umas das partes. Mas como quase toda regra, a presente também comporta exceção.

Vejamos o que diz o artigo 685 do Código Civil:

Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais. (grifei)

O artigo trata da chamada procuração em “causa própria” ou “in rem propriam”.

Discorrendo sobre o tema os eruditos notários Felipe Leonardo Rodrigues e Paulo Roberto Gaiger Ferreira sustentam que “na prática, a procuração em causa própria sempre versa sobre direito imobiliário, contendo a quitação do preço e a transmissão da posse e dos direitos…Desde que contenha todos os requisitos da escritura de compra e venda, inclusive com o recolhimento do Imposto de Transmissão Inter Vivos (ITBI), pode ser registrada, para o fim de transmitir o domínio”[1]

Tratando de maneira didática sobre o instituto, José Hildor Leal, Tabelião de Notas de Canela – RS lembra que o Estado do Rio Grande do Sul, na Consolidação Normativa Notarial e Registral, dispõe que “as procurações em causa própria relativas a imóveis deverão conter os requisitos da compra e venda (a coisa, o preço e o consentimento), e por suas normas serão regidas” (art. 620), e que “exige ainda, para a sua lavratura, recolhimento prévio do imposto de transmissão, e os emolumentos são os mesmos da escritura com valor determinado”, de modo que conclui com o argumento de que “parece não haver dúvida quanto à natureza da procuração em causa própria, tratando-se de ato de alienação, a exemplo da compra e venda ou da cessão”[2].

Portanto, preenchidos integralmente os requisitos da escritura de venda e compra, a procuração em causa própria, uma vez registrada, estará apta, for força do registro, a transmitir domínio, ainda que ocorra a morte do outorgante, pois na verdade corresponde a um negócio concluído, com a consequente quitação do preço e a transmissão de posse e dos direitos, tendo tão somente aparência de procuração, consistindo, na verdade, em ato apto a transmitir domínio.

Quanto ao registro do referido instrumento no Registro de Imóveis, em que pese não haver previsão expressa no rol do inciso I do artigo 167 da Lei de Registros Públicos, é perfeitamente possível o ato, salvo previsão normativa em contrário, razão pela qual a consulta as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado onde o ato será lavrado, bem como onde há de produzir efeitos, é indispensável.

Sobre o tema, não pode o leitor deixar de ler o Boletim Eletrônico do IRIB (Instituto de Registro Imobiliário do Brasil), na edição em que se manifestou acerca do assunto em mote, valendo-se para tanto dos ensinamentos de João Baptista Galhardo – disponível em: http://irib.org.br/html/noticias/noticia-detalhe.php?not=2022[3].

Ainda quanto ao registro, é o Acórdão do E. Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, cuja leitura é sempre válida:

CSMSP – APELAÇÃO CÍVEL: 003499-0/84 CSMSP – APELAÇÃO CÍVELLOCALIDADE: Serra Negra
DATA JULGAMENTO: 13/09/1984
Relator: Marcos Nogueira Garcez
“Indiscutível, então, cuidar‐se, na espécie, de título registrável, consoante disciplina do artigo 167, I, n.º 29, da Lei 6.015/73, cabendo lembrar que pelo registro da procuração “in rem propriam” opera‐se a transmissão do domínio, conforme prevê o artigo 172 da Lei dos Registros Públicos. Anote‐se, ainda, que, segundo o princípio registrário da inscrição, os direitos de propriedade são sempre registráveis, por ser esta o máximo dos direitos reais.”[4]
Fator que reclama atenção diz respeito à equivocada ideia que alguns usuários do serviço, e até mesmo alguns profissionais do direito, tem de que o artigo 117 do Código Civil regula a procuração em causa própria.
Diz a lei:
Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.
Na verdade o artigo 117 não trata da procuração em causa própria, mas sim do chamado “autocontrato”, ou ainda “contrato consigo mesmo”. É a hipótese em que o outorgante confere poderes ao procurador para que aliene o imóvel a quem quiser, podendo inclusive a escritura de venda e compra ser outorgada em favor do próprio procurador.
Importante é notar que da interpretação do artigo 489 do Código Civil, é indispensável a fixação do preço nessa espécie de procuração.
Com autoridade José Flávio Bueno Fischer prega que “é importante esclarecer que este tipo de procuração, embora tenha aparência de mandato em causa própria, não se trata dessa espécie, pois é passível de revogação, via de regra, e se extingue com a morte de uma das partes. E se encaminhado ao registro imobiliário, visando a transferência da propriedade, não será recepcionado. Ou seja, se o procurador portar procuração com essa declaração, para a efetivação do negócio de compra e venda, necessariamente deverá fazê-lo através de uma escritura pública (ressalvada a exceção quanto ao valor do imóvel prevista no Art. 108 do novo Código Civil), que então será o título hábil para o ingresso no registro imobiliário competente”[5].
Diferente da procuração em causa própria, a procuração do chamado “autocontrato”, ou ainda “contrato consigo mesmo” (art. 117) terá o mandato extinto quando da morte do outorgante.
Portanto diante de todo arrimo se exprime que se o instrumento de procuração configurar em “causa própria”, contendo obviamente todos os requisitos da venda e compra, como já mencionado, a morte do outorgante não é suficiente para fazer cessar o mandato. Por outro lado, se a procuração for advinda do artigo 117 do Código Civil, a morte do outorgante extinguirá o mandato, de modo que, se apresentada para a lavratura da escritura de venda e compra, deverá ser recusada pelo Tabelião de Notas, diante da ciência do falecimento, lembrando por último que, nos termos da lei, “são válidos, a respeito dos contraentes de boa-fé, os atos com estes ajustados em nome do mandante pelo mandatário, enquanto este ignorar a morte daquele ou a extinção do mandato, por qualquer causa” (artigo 689 – Código Civil).

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[1] Rodrigues, Felipe Leonardo. Tabelionato de Notas, Paulo Roberto Gaiger Ferreira. – São Paulo: Saraiva, 2013. – (Coleção cartórios/coordenador Christiano Cassettari), p. 142.

[2] Procuração em causa própria e negócio consigo – José Hildor Leal – Disponível em: http://www.notariado.org.br/blog/?link=visualizaArtigo&cod=251. Acesso: 04 mai. 2015.

[3] João Baptista Galhardo, em artigo publicado na Revista de Direito Imobiliário nº, 34, intitulado “A TRANSFERÊNCIA DE IMÓVEL POR PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA”, p. 20-21: REGISTRO DO MANDATO EM CAUSA PRÓPRIA: Apresentado para registro um instrumento público de procuração ou mandato em causa própria, onde as partes estejam perfeitamente qualificadas e o outorgante identificado como o titular da propriedade transmitida e devidamente especializada, estipulado o preço e dada a quitação se onerosa a cessão dele objeto, com o consentimento expresso das partes, prova do pagamento da sisa que é o Imposto de Transmissão e apresentado no original, estando enfim presentes e cumpridos os princípios da legalidade, da continuidade e da especialidade, que sustentam o sistema registrário brasileiro, além de clara e aferida disponibilidade qualitativa e quantitativa da propriedade transmitida, o registrador, mencionando o título, data, tabelião, preço e partes, lançará na matrícula o registro, transmitindo ao mandatário o domínio do imóvel.

[4]KOLLEMATA Jurisprudência – Sérgio Jacomino, Org. Disponível em: http://www.kollemata.com.br/kollemata/integra.php?id=8564251. Acesso: 06 mai. 2015.
[5] O Artigo 117 do Código Civil e a procuração para a venda de imóvel- José Flávio Bueno Fischer- Disponível em: http://www.fischer.not.br/?p=4360. Acesso: 06 mai. 2015.

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*Frank Wendel Chossani é tabelião substituto do 1º Tabelião de Notas e de Protestos de Letras e Títulos de Santa Bárbara d’Oeste/SP. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral, Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, e Direito Processual Civil.
Fonte: Notariado | 15/05/2015.

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Artigo: Arrolamento de Bens (Fiscal): cancelamento por iniciativa do contribuinte – Por Luís Ramon Alvares

* Luís Ramon Alvares

Nos termos do art. 9º c/c art. 8º, caput, da Instrução Normativa RFB n. 1.565, de 11/05/2015, o Registro de Imóveis (RI) onde os bens e direitos estiverem arrolados poderá cancelar a averbação do arrolamento, no prazo de 30 (trinta) dias contado da data do protocolo, mediante solicitação do contribuinte, acompanhada da cópia do protocolo da comunicação do sujeito passivo à RFB de seu domicílio tributário da alienação, oneração ou transferência a qualquer título, inclusive aquela decorrente de cisão parcial ou perda total de qualquer dos bens ou direitos arrolados, no prazo de 5 (cinco) dias contado da ocorrência do fato. O RI deverá comunicar o referido cancelamento à unidade da RFB do domicílio tributário do sujeito passivo, no prazo de 48 horas. (art. 11, §1º, da Instrução Normativa RFB n. 1.565, de 11/05/2015).

As alterações promovidas pela Instrução Normativa RFB n. 1.565, de 11/05/2015 já estão disponíveis na Versão Eletrônica do Manual do Registro de Imóveis (Atualização 4.2015, disponível desde 15/05/2015).

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* O autor é Substituto do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP, idealizador e organizador do Portal do RI- Registro de Imóveis (www.PORTALdoRI.com.br) e editor e colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI.

Como citar este artigo: ALVARES, Luís Ramon. ARROLAMENTO DE BENS (FISCAL): CANCELAMENTO POR INICIATIVA DO CONTRIBUINTE. Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 091/2015, de 19/05/2015. Disponível em https://www.portaldori.com.br/2015/05/19/artigo-arrolamento-de-bens-fiscal-cancelamento-por-iniciativa-do-contribuinte-por-luis-ramon-alvares/. Acesso em XX/XX/XX, às XX:XX.

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STJ: Quarta Turma permite que empresa conteste desconsideração da personalidade jurídica

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) alinhou-se à posição já adotada pela Terceira Turma e passou a admitir a legitimidade da pessoa jurídica para impugnar a desconsideração de sua personalidade jurídica. As duas Turmas compõem a Segunda Seção, especializada no julgamento de processos sobre direito privado.

Ao relatar um recurso sobre o tema, o ministro Luis Felipe Salomão apresentou aos colegas a existência de posições divergentes nas duas Turmas em relação à mesma questão e afirmou que isso gerava grave insegurança jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento útil para evitar que os sócios usem a pessoa jurídica para cometer fraudes contra credores. Assim, as obrigações da empresa recaem sobre o patrimônio de seus donos.

“As pessoas naturais dos sócios não se confundem com a pessoa jurídica da qual fazem parte. São pessoas distintas e com responsabilidades próprias. Assim, o afastamento do véu protetor da pessoa jurídica, para que os bens particulares de seus sócios e administradores possam responder por obrigações da entidade, é medida excepcional”, explicou Salomão.

Novo entendimento

Até então, a Quarta Turma não reconhecia o interesse da pessoa jurídica em contestar decisão que atinge seus sócios porque o patrimônio da sociedade estaria preservado.

Contudo, numa reavaliação do instituto, os ministros ponderaram que a desconsideração da personalidade jurídica é autorizada quando a empresa se distancia de sua finalidade original, de forma fraudulenta, e isso afeta seu patrimônio moral.

Assim, nem sempre o motivo da impugnação será a defesa do patrimônio dos sócios atingidos pela medida. Se o fundamento utilizado para desconsiderar a personalidade jurídica significar, ao mesmo tempo, ofensa à sua honra – afirmou o relator –, será difícil concluir pela ilegitimidade da empresa para impugnar a decisão.

A notícia refere-se ao seguinte processo: REsp 1208852.

Fonte: STJ | 18/05/2015.

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