Deus dos Desgraçados – 3ª Parte – Por Amilton Alvares

* Amilton Álvares

É melhor ser um desgraçado deste mundo do que um perdido na eternidade. Vejam o ensinamento de Jesus de Nazaré em Mateus 18:8-9: ““Se a sua mão ou o seu pé o fizerem tropeçar, corte-os e jogue-os fora. É melhor entrar na vida mutilado ou aleijado do que, tendo as duas mãos ou os dois pés, ser lançado no fogo eterno. E se o seu olho o fizer tropeçar, arranque-o e jogue-o fora. É melhor entrar na vida com um só olho do que, tendo os dois olhos, ser lançado no fogo do inferno”.

A conclusão natural que eu posso tirar desse pensamento de Jesus é de que é melhor tomar decisões que podem causar perdas agora do que sofrer dano irreparável na eternidade. E tenho de levar em conta que muitos personagens ilustres da Bíblia também tiveram de tomar decisões difíceis, alguns deixando para trás família e posição social. Homens que se fizeram fracos ou desgraçados neste mundo – – pobres de espírito, chorosos, humildes, famintos e perseguidos por causa da justiça, por almejar a vida eterna com Deus.

Eu não preciso ser um desgraçado ou fracassado para Deus abrir a porta do céu para mim. O que eu preciso mesmo é ter consciência de que sou incapaz de agradar a Deus, por mim mesmo. Eu tenho de entender que eu preciso de um Salvador. Preciso saber que dependo da Graça de Deus, de seu favor imerecido para alcançar salvação. Preciso saber que Deus mandou Jesus pagar a conta dos meus pecados na cruz do Calvário. Preciso compreender que o poder de Deus se aperfeiçoa na fraqueza e assim posso me gloriar nas próprias fraquezas e tribulações. Então eu posso repetir com Paulo que, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas perseguições, nas angústias, pois quando sou fraco é que sou forte (2ª Coríntios 12:9-10). Ser um desgraçado na vida ou no Navio Negreiro, de Castro Alves, não me coloca diretamente no céu. Eu preciso crer com o coração e professar com os lábios, que Jesus de Nazaré é Deus dos desgraçados e de pecadores que reconhecem que precisam ser resgatados do mar de lama desta vida distante de Deus. Ele, o Deus dos desgraçados, está a procurar pecadores que reconhecem que não podem salvar-se pela própria força. Isso mexe com o meu orgulho. Se o orgulho não cede então eu grito – – Que Deus é esse que só quer me humilhar! E a poesia de Castro Alves passa a fazer sentido – “Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura… se é verdade. Tanto horror perante os céus?!

Clique aqui e leia a 1ª Parte de Deus dos Desgraçados.

Clique aqui e leia a 2ª Parte.

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* O autor é Procurador da República aposentado, Oficial do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP, colaborador do Portal do Registro de Imóveis (www.PORTALdoRI.com.br) e colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI.

Como citar este artigo: ÁLVARES, Amilton. DEUS DOS DESGRAÇADOS – 3ª PARTE.  Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 090/2015, de 18/05/2015. Disponível em https://www.portaldori.com.br/2015/05/18/deus-dos-desgracados-3a-parte-por-amilton-alvares/. Acesso em XX/XX/XX, às XX:XX.

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INCORPORAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA: POSSIBILIDADE

A matéria pode gerar controvérsia, mas em São Paulo a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (CGJ) já decidiu que uma organização religiosa pode ser incorporada por outra organização religiosa. A decisão foi prolatada no Processo nº 2012/6477, em 21/01/2013, conforme Parecer nº26/2013-E do MM.Juiz Assessor Dr. Luciano Gonçalves Paes Leme. Naquele processo foi indeferido o recurso da interessada, por falta de cumprimento de outros requisitos formais. No entanto a decisão da CGJ deixou assentado que é possível a incorporação com respaldo no Código Civil, especialmetne nos artigos 1.116, 1.117, 1.118 e 2.033. Reconheceu a decisão a possibilidade de absorção do patrimônio da incorporada pela incorporadora, consumando a sucesão universal de uma pela outra, com extinção da primeira, dependendo o ato da adesão de ambas. Escalreceu a decisão que a incorporadora – não a incorporada, deverá requerer a averbação da correspondente extinção no Registro Civil de Pessoa Jurídica (RCPJ) da incorporada e também a averbação da incorporação no RCPJ onde registrado o estatuto social da organização religiosa incorporadora.

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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA
Processo CG n° 2012/6477
(26/2013-E)

Registro civil de pessoa jurídica – Incorporação de uma organização religiosa por outra – Possibilidade em tese (artigo 2.033 do CC) – Válido aperfeiçoamento dependente da observação, no que couber, das regras previstas nos artigos 1.116/1.118 do CC – O controle da legalidade não compromete a liberdade religiosa nem a de organização e a de funcionamento das organizações religiosas (Enunciado 143 do III Jornada de Direito Civil) – Ausente documento comprovando a concordância da incorporadora (artigo 1.116 do CC) – Averbação da extinção requerida impropriamente pela incorporada (artigo 1.118 do CC) – Recurso desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

A Oficiala de Registro de Imóveis e Anexos de São Luiz do Paraitinga, ao justificar a desqualificação do título apresentado pela Congregação Cristã do Brasil, CNPJ nº 45.167.681/0001-15, sustentou que a incorporação pretendida pela interessada, organização religiosa, é admitida somente às sociedades empresariais (fls. 02/05).

A interessada, ao expressar seu inconformismo em relação às notas devolutivas emitidas no dia 29 de abril de 2010, requereu a averbação da extinção da organização religiosa, com a sua incorporação à Congregação Cristã do Brasil, CNPJ nº 72.309.123/0001-10, com sede em Taubaté, fundada nas liberdades de crença, de culto e de organização religiosa e nas regras dos artigos 44, § 1°, e 2.033, ambos do Código Civil (fls. 07/17).

A Prefeitura Municipal da Estância Turística de São Luiz do Paraitinga, provocada (fls. 61), argumentou: o patrimônio, a renda e os serviços vinculados às finalidades essenciais da Igreja estão imunes aos impostos e, assim, particularmente, a incorporação solicitada não ensejará a cobrança de ITBI (fls. 63).

Após o parecer do Ministério Público (fls. 66/71), a desqualificação foi confirmada pela MM Juíza Corregedora Permanente (fls. 73/77), motivo pelo qual, com reiteração das alegações passadas, a interessada interpôs apelação (fls. 81/87).

Recebido o recurso (fls. 88), e encaminhados os autos ao Colendo Conselho Superior da Magistratura, abriu-se vista à Douta Procuradoria Geral de Justiça, que propôs, primeiro, a remessa dos autos à Corregedoria Geral da Justiça, com conhecimento da apelação como recurso administrativo, e, depois, o seu provimento (fls. 106/107).

Admitida a apelação como recurso administrativo (fls. 108), e enviados os autos à Corregedoria Geral da Justiça (fls. 111), a Oficiala de Registro, instada, apresentou as notas devolutivas relacionadas com a situação sob exame (fls. 117/119).

É o relatório. OPINO.

A recorrente, inconformado com a sentença, interpôs apelação, conhecida, à luz do princípio da fungibilidade recursal, como recurso administrativo, o adequado, nos termos do artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, para veicular a impugnação voltada contra a sentença proferida, pela MM Juíza Corregedora Permanente, em matéria administrativa. Nada obstante, o recurso interposto não admite acolhimento.

As organizações religiosas, de acordo com o inciso IV do artigo 44 do Código Civil – introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003 –, são pessoas jurídicas de direito privado.

Em harmonia com as normas extraídas do artigo 5°, VI, e 19, I, da Constituição Federal de 1988[1], o § 1° do artigo 44 do Código Civil – também com origem na Lei nº 10.825/2003 –, estabelece:

Artigo 44. (…)

§ 1º. São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

A propósito das modificações associadas à Lei nº 10.825/2003, Gustavo Tepedino, Heloísa Helena Barboza e Maria Celina Bodin de Moraes assinalam:

Com a alteração, as igrejas deixaram de ser simples entidades de classe de futebol ou outras organizações não religiosas e passaram a figurar como pessoas jurídicas de direito privado. A medida protege a autonomia das organizações religiosas, pois garante a liberdade de criação, organização, estruturação interna e funcionamento, vedada a ingerência do poder público, como destaca o parágrafo primeiro[2]. (grifei)

As organizações religiosas compreendem, segundo lição de Francisco Amaral, “as igrejas, as ordens monásticas, as congregações religiosas, as irmandades, os centros dos variados cultos etc.”[3] (Direito Civil: introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 295). E ao delas tratar, realçando suas características peculiares e regência própria, Paulo Lobo anota:

As organizações religiosas são pessoas jurídicas, quando regularmente registradas. A lei confere inteira liberdade de constituição e organização, significando que não necessitam ter a forma de associação civil, nem de associados. Basta o ato de fundação ou de declaração de sua existência, com ou sem bens materiais, pois a comunidade religiosa caracteriza-se pelo fluxo constante de fiéis, que nela ingressam ou se retiram livremente, sem qualquer ato formal de associação ou retirada. Por sua natureza, a organização religiosa não pode ter finalidade econômica, nem ter seus haveres sob domínio, posse ou controle real de pessoas que a integrem…

A CF, art. 5º , VI, assegura a liberdade de exercício de cultos religiosos e garante, na forma da lei, “a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Vê-se que a liberdade de organização religiosa está limitada às finalidades de culto e liturgia. Somente para esses fins pode ser considerada organização religiosa e assim registrada. Se a comunidade religiosa desenvolve outras atividades, de caráter econômico, como instituições educacionais ou empresariais, estas não se consideram incluídas no conceito de “organizações religiosas” para os fins da Constituição e do CC, pois não destinadas diretamente para culto ou liturgia. Essas outras atividades deverão ser organizadas sob outras formas de personalidade jurídica (…), ainda que seus resultados econômicos sejam voltados para dar sustentação a projetos desenvolvidos pela respectiva comunidade religiosa. (grifei) (Direito Civil: parte geral. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 186-187).

Agora, a autonomia e a liberdade reconhecidas às organizações religiosas não é infensa, com efeito, à exigência de obediência à Lei, ao prescrito pela ordem jurídica. Dentro desse contexto, inclusive, restou aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, o seguinte enunciado:

143 – Art. 44: A liberdade de funcionamento das organizações religiosas não afasta o controle de legalidade e legitimidade constitucional de seu registro, nem a possibilidade de reexame, pelo Judiciário, da compatibilidade de seus atos com a lei e com seus estatutos.

Logo – embora a incorporação de uma organização religiosa por outra tenha expresso respaldo no Código Civil (artigo 2.033[4]), consoante, ademais, antes sugerido em precedente desta Corregedoria[5] –, convém que tal operação de reestruturação da pessoa jurídica se oriente pelo disposto em referido Diploma legal e, especialmente, no que couber, pelas regras dos artigos 1.116, 1.117 e 1.118[6]. É o que se extrai do texto do próprio permissivo legal (cf. nota de rodapé nº 4).

Ou seja, a absorção do patrimônio da incorporada pela incorporadora, consumando a sucessão universal de uma pela outra, com extinção da primeira, depende da adesão de ambas (artigo 1.116 – cf. nota de rodapé n° 6).

Além disso, uma vez deliberada a incorporação, a incorporadora – e não a incorporada, ora interessada –, requererá, no Registro Civil de Pessoa Jurídica onde registrados os atos constitutivos da incorporada (pessoa jurídica extinta), a averbação da correspondente extinção (artigo 1.118 do Código Civil – cf. nota de rodapé nº 6).

E fará isso, acrescento, sem prejuízo da averbação da incorporação da interessada no Registro Civil de Pessoa Jurídica onde registrado o seu estatuto social.

Contudo, nos autos – a despeito de aprovada pela incorporada (fls. 26), com amparo em previsões estatutárias (artigo 16 – fls. 45, e artigo 31, § 3° – fls. 48), e após a noticiada deliberação do Conselho de Anciães (fls. 56/57) –, não consta a concordância da organização religiosa incorporadora: a Congregação Cristã do Brasil, CNPJ nº 72.309.123/0001-10, com sede em Taubaté.

De mais a mais, o requerimento, no caso vertente, foi apresentado, impropriamente, pela organização religiosa incorporada: a Congregação Cristã do Brasil, CNPJ nº 45.167.681/0001-15, com sede na Estância Turística de São Luiz do Paraitinga. Destarte, ainda que possível em tese, os requisitos da incorporação não estão presentes. Seus pressupostos não foram, na hipótese dos autos, preenchidos. Portanto, o desprovimento do recurso se impõe. E isso, de modo algum, atenta contra a liberdade religiosa. Seguramente, a exigência relativa ao cumprimento da lei não embaraça, in concreto – não dificulta, não limita nem restringe –, o seu funcionamento.

Pelo todo exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de conhecer a apelação como recurso administrativo e negar-lhe provimento.

Sub censura.

São Paulo, 15 de janeiro de 2013.

Luciano Gonçalves Paes Leme

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, conheço da apelação como recurso administrativo e nego-lhe provimento. Publique-se. São Paulo, 21.01.2013. – (a) – JOSÉ RENATO NALINI – Corregedor Geral da Justiça.

Notas:

______________________________________

[1] Artigo 5° (…): VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Artigo 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (…).

[2] Código Civil interpretado e conforme a Constituição da República: parte geral e obrigações. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 118. v. I.

[3] Direito Civil: introdução. 6ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 295.

[4] Artigo 2.033. Salvo o disposto em lei especial, as modificações dos atos constitutivos das pessoas jurídicas referidas no art. 44, bem como a sua transformação, incorporação, cisão ou fusão, regem-se desde logo por este Código. (grifei)

[5] Parecer da lavra do magistrado Álvaro Luiz Valery Mirra, aprovado, em 28 de agosto de 2007, nos autos do processo CG 226/2007, pelo Desembargador Gilberto Passos de Freitas.

[6] Artigo 1.116. Na incorporação, uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações, devendo todas aprová-la, na forma estabelecida para os respectivos tipos.

Artigo 1.117. A deliberação dos sócios da sociedade incorporada deverá aprovar as bases da operação e o projeto de reforma do ato constitutivo.

§ 1º A sociedade que houver de ser incorporada tomará conhecimento desse ato, e, se o aprovar, autorizará os administradores a praticar o necessário à incorporação, inclusive a subscrição em bens pelo valor da diferença que se verificar entre o ativo e o passivo.

§ 2º A deliberação dos sócios da sociedade incorporadora compreenderá a nomeação dos peritos para a avaliação do patrimônio líquido da sociedade, que tenha de ser incorporada.

Artigo 1.118. Aprovados os atos da incorporação, a incorporadora declarará extinta a incorporada, e promoverá a respectiva averbação no registro próprio. (grifei).

Fonte: INR Publicações | 15/05/2015.

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Artigo: Namoro qualificado – Por Jones Figueirêdo Alves

*Jones Figueirêdo Alves

Recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça, dia 3 de março passado, envolveu profunda análise da figura jurídica do “namoro qualificado”, no efeito de sua necessária distinção em face da união estável. (STJ – 3ª Turma, REsp. nº 1.454,643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe. 10.03.2015).

Afirmou-se que nesta última hipótese, o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial não consubstancia mera proclamação, para o futuro, apresentando-se mais abrangente, por se afigurar presente durante toda a convivência, “a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros’. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.

A Corte de Justiça entendeu que o comportamento de namorados não hesitarem em morar juntos revela-se usual nos tempos atuais, “impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social”. Entretanto, não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável.

A doutrina tem enfrentado bem o tema, chamada a intervir na reportada decisão pretoriana. Para a união estável, o que diferencia o “namoro qualificado”, faz-se “absolutamente necessário que entre os conviventes, emoldurando sua relação de afeto, haja esse elemento espiritual, essa “affectio maritalis”, a deliberação, a vontade, a determinação, o propósito, enfim, o compromisso pessoal e mútuo de constituir família” (Zeno Veloso).

Com efeito, anota-se que “no namoro qualificado, por outro lado, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preserva sua vida pessoal e sua liberdade. Os seus interesses particulares não se confundem no presente, e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita”. (Maluf, Carlos Alberto Dabus; Maluf, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito de Família. 2013. Editora Saraiva. p. 371-374).

A jurisprudência, a seu turno, já tem enfrentado a distinção, sob o axioma de que “não se pode compreender como entidade familiar uma relação em que não se denota posse do estado de casado, qualquer comunhão de esforços, solidariedade, lealdade (conceito que abrange “franqueza, consideração, sinceridade, informação e, sem dúvida, fidelidade” (STJ – REsp 1157273/RN, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJe 07/06/2010).

De fato. A distinção, por certo, haverá de centrar-se, sempre e exclusivamente, na valoração jurídica dos fatos, a tanto que tem sido entendido, também, que “tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício)”.

No caso agora julgado, a questão envolveu um casal que optou pelo casamento, após período de relacionamento de namoro, mantido ainda que sob a mesma residência, deixando de converter a suposta união estável em casamento (art. 1.726, Código Civil), sob o regime de comunhão parcial de bens (artigo 1.658, CC). Assim, o ato encerraria “manifestação de vontade sobre os bens que cada um adquiriu antes do casamento” (art. 1.659, I, CC), nada podendo mais ser discutido a respeito de eventual meação. Demais disso, anotou-se que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior, e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente.No ponto, controvérsias a mais são indicadas à hipótese, a saber:
(i) se o casamento celebrado posteriormente (sem converter a união estável em casamento), implicaria, inexoravelmente, em desconfigurar uma eventual união estável anterior, mercê da simples falta da conversão de uma por outra entidade famíliar?
(ii) operado o divórcio do casal, haveria ou não espaço à discussão quanto aos bens adquiridos antes do matrimônio, sob a égide da então existência de união estável? O julgado entendeu que não, porquanto a meação do bem adquirido em momento anterior ao casamento somente poderia ser viabilizada caso houvesse a eleição do regime da comunhão de bens ou a conversão da suposta união estável em casamento, providências não levadas a efeito, de modo livre e consciente, pelas partes, o que caracterizaria, inclusive, renúncia de direito.

Fica aqui a boa nota. O namoro qualificado não configura nenhuma entidade familiar. Acaso esta exista, pela união estável, a sua formalização deverá, sim, exigir, a um só tempo, converte-la em casamento, sem divisores patrimoniais. O propósito de constituir família é realidade instante, palpitante de vida a dois.

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JONES FIGUEIRÊDO ALVES – O autor é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), coordena a Comissão de Magistratura de Família.

Fonte: TJ – PE | 27/04/2015.

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