Guarda compartilhada como regra em caso de desacordo recebe apoio de debatedores

Participantes da audiência pública que discutiu, nesta quinta-feira (20), o instituto da guarda compartilhada dos filhos em caso de separação se mostraram favoráveis à aprovação de projeto que a torna automática na falta de acordo entre os pais (PLC 117/2013). Para eles, a guarda compartilhada diminui a possibilidade de alienação parental e seria mais justa e adequada para a formação e cuidado dos cerca de 20 milhões de crianças e jovens brasileiros filhos de casamentos desfeitos.

O projeto, aprovado com versões diferentes em duas comissões, foi encaminhado à Comissão de Assuntos Sociais (CAS) para ser revisto no que diz respeito a situações de violência familiar, como justificou Romero Jucá (PMDB-RR). O relator na comissão, senador Jayme Campos (DEM-MT), pretende apresentar seu relatório na próxima semana.

– Devo apresentar algumas emendas de redação – afirmou o relator à Agência Senado.

Equívocos

A única voz destoante da mesa de debates foi a do professor José Fernando Simão, do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam). Sem se posicionar contra o projeto, ele sugeriu vários ajustes a artigos da proposta em tramitação. Entre eles, além da eliminação da possibilidade da dupla residência, a substituição da expressão “tempo de custódia física” em relação aos filhos menores por “convivência”. Para Simão, custódia refere-se a presidiários, ou a animais, e mantê-la no texto é “coisificar” a vida humana.

O professor apontou outras incongruências no texto, como a possibilidade que o parágrafo 3º cria de se instituir a residência dupla dos filhos menores de pais separados que vivem em cidades distintas, o que gerará a guarda alternada e não a compartilhada, "uma excrescência", em sua opinião. Para Simão, o texto como está é um equívoco jurídico e um equívoco para o melhor interesse da criança e, caso aprovado, será uma falha de técnica legislativa.

– É um artigo caótico que não pode entrar no sistema jurídico brasileiro atual – avaliou, em entrevista à Agência Senado após a reunião.

Juízes

Por sua vez, a debatedora Eulice Cherulli, juíza titular da 3ª Vara Especializada em Família e Sucessões de Várzea Grande (MT), apresentou números: em 10 anos, o número de ex-casais que dividem formalmente a responsabilidade no cuidado com os filhos mais que dobrou, salto de 2,64% das decisões em 2002 para 5,95% em 2012. Ela mostrou-se defensora radical da guarda compartilhada.

– A aprovação do projeto vai garantir o aumento da modalidade da guarda compartilhada, em progressão inversa à alienação parental. Vai inibir essa prática odiosa e corriqueira – declarou.

Uma espécie de "comodismo" dos juízes, que pedem a seus auxiliares para copiar "jurisprudências ultrapassadas" em suas decisões para só depois assiná-las, em vez de se ater aos detalhes de cada arranjo familiar, foi apontado por Sérgio Rodrigues, presidente da Associação Brasileira Criança Feliz, como a causa para o baixo índice de compartilhamento de guardas no país, modalidade que defendeu com veemência. Para ele, o próprio Judiciário é "alienador parental".

– Se houvesse consenso, não precisaríamos da justiça, da ação judicial. Se houvesse consenso entre pai e mãe, como quer fazer crer o Judiciário, que se não há harmonia entre o casal não se pode aplicar a guarda compartilhada. Isso aí é comodismo, é covardia para não pensar e ler o que temos de mais moderno na legislação e no entendimento do judiciário nos tribunais superiores – afirmou.

Consenso

Também nessa linha, a representante do Instituto Brasileiro de Direito da Família, Suzana Borges, trouxe sua vivência no Núcleo de Prática Jurídica da Universidade de Brasília, em Ceilândia, onde vê inúmeros juízes que já abrem a audiência dizendo não conceder a guarda compartilhada porque “não dá certo” ou “é coisa para rico”. Para ela, exigir consenso entre os pais para a concessão é distorcer o foco do problema, desviando a atenção do melhor interesse dos filhos para as disputas dos pais.

As falsas acusações para afastar os filhos de um dos genitores ou dos parentes mais próximos, a chamada alienação parental, foi mencionada por Maria Roseli Guiesmann, presidente da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude. Ela lamentou muitas vezes não existir sensibilidade dos atores da área jurídica para o problema em sua tomada de decisões.

Por isso, defendeu a formação dos juízes para lidar com a questão. Para ela, a aprovação do projeto dará mais subsídio ao magistrado quando ocorrerem divergências dos ex-casais por causa da guarda dos filhos.

– [O compartilhamento] é a melhor solução para a criança. Na experiência como magistrada, sei que é difícil, na prática, quando o casal se separou, fazer valer esse direito. Mas defendemos que criança tenha convívio com os dois – declarou.

Maus tratos

Analdino Rodrigues, presidente da Associação de Pais e Mães Separados, também apontou o número elevado de acusações de maus tratos e abuso sexual apresentado somente com o intuito de afastar um dos genitores do convívio com o filho.

Ele afirmou ainda ser um equívoco adiar a votação da proposta – que já estava na pauta do Plenário – em nome de revê-la por casos como o de Isabela Nardoni e Bernardo Uglione, como justificou o senador Romero Jucá (PMDB-RR). Analdino registrou que a avó de Bernardo já se manifestou favoravelmente à proposta.

– Dá-se o poder a um dos genitores e ao outro o ônus do pagamento da pensão, isso causa litígios, e são eles que causam toda essa problemática de disputas – disse.

Fonte: Agência Senado | 20/11/2014.

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CSM/SP: PRINCÍPIO DA UNITARIEDADE. VIA FÉRREA: Não se pode estabelecer presunção. Para obstar o registro, o registrador precisa ter certeza de que o imóvel é seccionado.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação n° 0009480-97.2013.8.26.0114

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0009480-97.2013.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que é apelante WAGNER NORDER, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, DETERMINANDO O REGISTRO DO TÍTULO, V. U. DECLARARÁ VOTO CONVERGENTE O DES. ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO.", de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 2 de setembro de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0009480-97.2013.8.26.0114

Apelante: Wagner Norder

Apelado: 4º Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Campinas

VOTO N° 34.042

Registro de imóveis – Dúvida – Escritura pública de dação em pagamento – Possibilidade de registro, inobstante a precariedade da descrição do imóvel, em face da identidade entre esta e a da matrícula originária – Inocorrência de quebra do princípio da especialidade objetiva – Falta de demonstração, ademais, de afronta ao princípio da unicidade da matrícula – Recolhimento do ITBI que não se mostra flagrantemente incorreto – Dúvida improcedente – Recurso provido.

Wagner Norder interpôs recurso administrativo contra a r. sentença que manteve a recusa de registro de escritura pública de dação em pagamento.

A recusa deveu-se à circunstância de que a descrição do imóvel, na matrícula originária e, portanto, no título que se pretende registrar, é vaga, imprecisa. Os dados, aliás, são dissonantes com o lançamento do IPTU, verificando-se profundas divergências. Não fosse apenas isso, ao indicar as confrontações a descrição tabular enuncia que o imóvel é cortado por uma linha férrea, o que faz supor que há segregação do terreno. Haveria necessidade, assim, da abertura de duas matrículas, sob risco de quebra do princípio da unicidade matricial. Tudo a indicar, portanto, a necessidade de prévia retificação, na forma do art. 213 da Lei de Registros Públicos.

O recorrente alega que a escritura pública de dação em pagamento implica a transferência da propriedade por completo, não havendo qualquer risco ou prejuízo na abertura de nova matrícula, não cabendo ao Oficial pretender regularizar falhas de descrição da matrícula anterior. Entende que o princípio da continuidade registrária restará preservado e que os dados da matrícula originária são suficientes. Inisiste no argumento de que não há, exatamente, abertura de nova matrícula, mas mera transposição dos dados da matrícula anterior para o 4º CRI, para adaptação à base territorial do imóvel, que passou do 2º CRI ao 4º CRI.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

O recurso, respeitado o entendimento do MM. Juiz e do ilustre representante do Ministério Público, comporta provimento.

Cabe esclarecer desde logo que, quando da abertura da matrícula originária, o imóvel objeto da dação em pagamento integrava a base territorial afeta ao 2º CRI. A matrícula originária é a de n. 59708 (fl. 16).

O recorrente pretende o registro de escritura pública de dação em pagamento (fls. 17/18), através da qual, por força de acordo em dissolução de sociedade limitada, foi-lhe transferida a propriedade do imóvel objeto da matrícula.

O registro do título far-se-ia, diante da adaptação da base territorial do imóvel, perante o 4º CRI. Foi então que, ao analisar a escritura, feita com base nos dados constantes da matrícula originária, o Oficial verificou que tais dados são precários.

Veja-se a descrição da matrícula: "Um prédio, seu respectivo terreno e quintal situado à margem da estrada de rodagem que liga o distrito de Sousas a Campinas, no bairro dos Pires, neste município e comarca, medindo 17 m de frente para a estrada mencionada; 15 metros de fundos, por 84 metros de frente aos fundos até o leito do ramal férreo campineiro; daí desce uma faixa de terra medindo 4 metros de frente para o leito do ramal férreo campineiro, por 73 metros de frente aos fundos até encontrar um córrego d'agua, com o qual faz divisas com terras do Sanatório Dr. Cândido Ferreira, com área de 1.636 m2, tudo mais ou menos, e cuja confrontação é a seguinte: pela frente com a referida estrada de rodagem; pelo lado direito com um beco de servidão de diversos, pelo lado esquerdo com herdeiros de Antônio Selmi e pelos fundos com parte do leito do ramal férreo campineiro, o qual corta o referido terreno, e parte do o córrego d’água que o separa da propriedade do Sanatório Dr. Cândido Ferreira".

Em que pese a precariedade dos dados, não há razão para impedir o registro, pois há coincidência entre a descrição do título e a da matrícula.

Além de não haver quebra de continuidade, no que toca à especialidade objetiva, vale observar que, como anota Alyne Yumi Konno (Registro de Imóveis – Teoria e Prática, Memória Jurídica, p. 20/21), tem-se admitido a mitigação da especialidade a fim de não obstar o tráfego de transações envolvendo imóveis, permitindo-se a manutenção de descrições imprecisas, constantes de antigas transcrições, quando da abertura da matrícula, desde que haja elementos mínimos para se determinar a situação do imóvel, e que ele seja transmitido ou onerado por inteiro, ou seja, desde que a nova matriz a ser aberta o abranja por inteiro. Ao contrário, se o imóvel for objeto de desmembramento, fusão ou instituição de condomínio, sua descrição deverá submeter-se aos requisitos da LRP.

Nos autos do processo CG n° 1241/96, o então Juiz Auxiliar da Corregedoria Francisco Eduardo Loureiro, hoje Desembargador, aprofundou o exame da mitigação da especialidade:

Não se nega, portanto, a possibilidade de ser descerrada matrícula com exata coincidência com o registro anterior, em que pese a ausência de medidas perimetrais e da área de superfície. O que não se admite é a criação de nova unidade imobiliária contendo descrição perfeita, por fusão de matrículas, quando um dos imóveis unificandos não dispõe de todas as medidas tabulares. Em termos diversos, imóvel com figura imprecisa não pode gerar, por fusão ou desmembramento, nova unidade com figura e descrição precisas.

… Logo, quando do descerramento de matrícula que abranja a totalidade do imóvel, vale a descrição contida no registro anterior, ainda que imperfeita, desde que suficiente para a identificação do prédio. Quando, porém, criam-se novos imóveis decorrentes de desmembramentos ou de fusões, as unidades segregadas ou unificadas devem subordinar-se aos requisitos do artigo 176 da Lei n. 6.015/73. Não há razão, em tais casos, para tolerar a imprecisão, porque o novo prédio não mais tem identidade descritiva com o registro de origem.

Esse entendimento tem sido prestigiado e até ampliado pelo CSM e pela Corregedoria Geral da Justiça. No julgamento da Apelação Cível n° 9000002-16.2011.8.26.0296, o CSM admitiu o registro mesmo no caso em que a descrição deficiente constava da matrícula e não de transcrição. O que importa é que a descrição do título, ainda que precária, coincida com a do registro de imóveis.

A divergência na área do imóvel, a existência ou inexistência de área construída, enfim, a dissonância com os dados para lançamento de IPTU não impedem o registro. Podem, eventualmente, gerar a necessidade de futura retificação. Mas não impedem o registro, que é o que se discute aqui.

Por outro lado, não é possível falar em quebra da unicidade, pois o Oficial do Registro não pode afirmar, com certeza, se o terreno é seccionado pela linha férrea. Ele acredita que sim, com base na precária descrição. Mas a certeza sobre isso dependeria de exame por técnico habilitado.

Por fim, uma vez que os elementos a serem considerados são os do título – e não aqueles que fundamentam o lançamento de IPTU pela Prefeitura -, o recolhimento do ITBI mostra-se, em princípio, correto, não cabendo ao Oficial, diante da inexistência de flagrante equívoco, a ele se opor, o mesmo podendo se dizer em relação aos emolumentos.

Vale transcrever decisão que revela o entendimento pacífico deste Conselho:

"Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor.

Tal é o que se verifica verbi gratia do V. Acórdão proferido na Apelação Cível n° 28.382-0/7, da Comarca da Capital, em que figurou como relator o E. Desembargador Antônio Carlos Alves Braga, cuja ementa é a seguinte:

Registro de Imóveis – Dúvida – Formal de partilha extraído de autos de arrolamento – Verificação, pelo Oficial, de recolhimento de imposto, mas não de seu valor – Recurso provido.

Outro não foi o entendimento adotado na Apelação Cível n ° 22.679-0/9, da Comarca da Capital, em que também figurou como relator o E. Desembargador Antônio Carlos Alves Braga, cuja ementa é a que segue:

Registro de Imóveis – Dúvida Imobiliária – Imposto de Transmissão mortis causa – Fiscalização do pagamento pelo registrador – Dever que se limita à averiguação do recolhimento, sem que possa indagar acerca do valor devido – Recurso provido.

A dúvida imobiliária não é o procedimento adequado para discutir o quantum debeatur do tributo relativo à transmissão de bens por sucessão hereditária. O dever insculpido na norma contida no artigo 289 da Lei de Registros Públicos não compreende a fiscalização do cálculo do imposto, mas apenas o seu recolhimento. Cumpre à Fazenda Pública, pelo meio próprio, promover a cobrança de eventual diferença que entenda devida.

O texto do julgado é categórico:

Ao registrador, para atendimento do disposto no artigo 289 da Lei de Registros Públicos, cabe limitar-se à fiscalização do recolhimento do tributo, não lhe cabendo discutir o quantum.

Do contrário, estaria sendo discutida matéria de interesse da Fazenda Pública, sem que ela do feito fosse parte integrante.

Só no meio próprio, no qual se estabelecesse a lide, e onde estivesse formada regular relação jurídico-processual, com a indispensável participação da Fazenda Pública e credora do tributo, tal questão poderia ser objeto de pronunciamento jurisdicional.

E conclui-se:

Reconhecer-se ao registrador atribuição para verificar se escorreito o cálculo do imposto, quando da qualificação do título, sempre ofenderia o princípio do contraditório, já que a Fazenda Pública, como dito, não é parte na dúvida imobiliária.

A questão avulta quando se tem em conta que, como no caso, o valor do imposto já foi objeto de apreciação nos autos do inventário.

Naquele feito seria possível à Fazenda Pública impugnar o valor recolhido, sem prejuízo do meio legal para a cobrança de eventual diferença que entenda devida (cf. artigos 1.003 a 1.013 e 1.034, § 2º, todos do Código de Processo Civil).

À evidência, se a lei reserva à Fazenda Pública os meios próprios para haver do contribuinte diferenças do imposto de transmissão causa mortis, que entenda exigíveis, não caberá ao Oficial do Cartório de Registro de Imóveis, quando da qualificação registrária, perquirir acerca dessa questão, cumprindo-lhe limitar a sua ação à verificação do recolhimento."

Nesses termos, pelo meu voto, à vista do exposto, dou provimento ao recurso, determinando o registro do título.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0009480-97.2013.8.26.0114

Apelante: Wagner Norder

Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas

DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE

VOTO N. 27.394

1. Nestes autos de dúvida, foi interposta apelação contra sentença dada pelo Juízo Corregedor Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas. Essa sentença manteve exigência de retificação para que se pudesse abrir matrícula e dar a registro stricto sensu uma transmissão de domínio fundada em dação em pagamento.

2. O eminente Desembargador Relator prove à apelação para que, reformada a sentença, se afastem os óbices levantados e se proceda à abertura de matrícula e ao registro stricto sensu da dação em pagamento.

A descrição do imóvel, tal como posta na matrícula em exame, não tem o rigor que hoje se considera adequado para atender, de forma cabal, o princípio da especialidade. Entretanto, a imperfeição não chega ao extremo de impedir, por completo, a identificação do imóvel, pois traz elementos mínimos que permitam localizá-lo.

Por outro lado, o título causal sob análise (i. e., a dação em pagamento) diz respeito ao imóvel como um todo, ou seja, a descrição contida no título coincide com aquela que consta da matrícula.

Nessas condições – coincidência entre as descrições do imóvel postas na matrícula e no título causal, de um lado, e disposição sobre o todo do imóvel, de outro -, não há razão para exigir retificação antes de abrir a matrícula e proceder ao registro stricto sensu da dação em pagamento. Nestes específicos atos registrários, como no caso concreto, o imóvel está descrito de forma clara, inequívoca e inconfundível, e não há ofensa ao disposto na LRP/1973, arts. 176, § 1º, II, 3, a, 225, § 2º, e 229.

Esta, aliás, é a posição da doutrina:

"Descrição lacunosa, imprecisa ou deficiente, não obstante necessite de aperfeiçoamento a ser realizado por meio de retificação, desde que permitida sua compreensão acerca da localização e sua individualização perante outros, não obsta a abertura da matrícula, a fim de não prejudicar a eficácia do registro e da presunção, ainda que relativa, de sua veracidade estabelecida com o registro precedente. […] Do mesmo modo, não se pode dar entendimento diverso às matrículas de imóveis, com descrições precárias, abertas na vigência da atual Lei de Registros Públicos, alienados como um todo, com anteriores atos de registro que tiveram regular ingresso no assento predial. Há que se permitir o seu prosseguimento até que outros atos ou hipóteses, como os acima alinhados [transmissão de parte do imóvel, parcelamento do solo, instituição de condomínio edilício], venham exigir a devida retificação com esteio no art. 213 e ss. da Lei 6.015/1973." (Fioranelli, Ademar. Matrícula no Registro de Imóveis – Questões Práticas. In: Yoshida, Consuelo et alii (coord.). Direito Notarial e Registral Avançado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 304).

A propósito, este Conselho Superior da Magistratura já decidiu que:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de compra e venda com descrição idêntica à contida na matrícula – Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede sua individualização – Princípio da Especialidade Objetiva atendido – Existência de registros anteriores baseados na mesma descrição – Ausência de prejuízo a terceiros – Princípio da Fé Pública – Recurso provido. (Apel. Cív. 0013406-84.2010.8.26.0278, j. 13.12.2012)

REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de Adjudicação – Necessidade de se inventariar a totalidade dos bens havidos em comunhão no casamento – Universalidade de direitos – Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede sua individualização – Princípio da Especialidade Objetiva atendido – Existência de registros anteriores baseados na mesma descrição – Ausência de prejuízo a terceiros – Princípio da Fé Pública – Recurso não provido. (Apel. Cív. 0002532-60.2011.8.26.0648, j. 7.2.2013)

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública de inventário e partilha – Dúvida prejudicada – Irresignação parcial configurada – Exibição tardia da certidão atualizada da matrícula do bem imóvel – Inadmissibilidade – Ofensa ao princípio da especialidade objetiva inocorrente – Coincidência entre as descrições do título e da matrícula a informar a abertura de uma nova (artigo 229 da Lei n.° 6.015/1973) – Recurso não conhecido. (Apel. Cív. 9000002-16.2011.8.26.0296, j. 23.5.2013)

As demais dificuldades discutidas também não impedem, neste caso concreto, a abertura de matrícula e o registro stricto sensu, pois: (a) da descrição hoje posta na matrícula não se tira inequivocamente que o imóvel seja cortado por estrada de ferro. Destarte, não é possível afirmar que possa haver ofensa à regra da unitariedade da matrícula (LRP/1973, art. 176, I); (b) divergência entre cadastro municipal (organizado para fins de lançamento do imposto predial) e o registro de imóveis resolvem-se em favor do que consta do registro de imóveis. Logo, dada a concordância entre matrícula e título causal, são irrelevantes quaisquer divergências, aqui, quaisquer divergências entre aquele e esse, de um lado, e o cadastro municipal, de outro; e (c) se o valor adimplido a título de imposto de transmissão não é manifestamente errado (e no caso realmente não existe esse erro manifesto), então não cabe ao ofício de registro de imóveis afirmar o contrário.

3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para que se proceda à abertura da matrícula e ao registro stricto sensu da transmissão de domínio fundada em dação em pagamento.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Presidente da Seção de Direito Privado

Fonte: DJE/SP | 23/10/2014.

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Questão esclarece acerca da compra de imóvel rural por portugueses.

Compra e venda. Imóvel rural – aquisição por portugueses.

Nesta edição do Boletim Eletrônico esclarecemos dúvida acerca da compra de imóvel rural por portugueses. Valendo-se dos ensinamentos de Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, veja como o tema foi abordado:

Pergunta: As regras para a compra de imóvel rural por estrangeiro também são aplicáveis aos portugueses?

Resposta: Eduardo Pacheco Ribeiro de Souza, em trabalho publicado pelo IRIB, intitulado “Coleção Cadernos IRIB – vol. 7 – Os Imóveis Rurais Na Prática Notarial e Registral – Noções Elementares”, p. 36-37, abordou este tema com muita propriedade. Vejamos o que ele nos ensina:

“Aquisição por portugueses: o Decreto nº 70.436/1972 regula a igualdade de tratamento entre brasileiros e portugueses quanto aos direitos civis. Os portugueses que tenham preenchido as condições do Decreto e tenham requerido a igualdade e a obtido não estarão sujeitos às restrições.

Não gozam da igualdade com brasileiros todos os portugueses, mas só aqueles que, tendo-a requerido, a tiverem reconhecida. A Lei nº 5.709/1971 só não se aplica ao português que demonstre haver recebido a condição de igualdade a brasileiro. Não o demonstrando, cai sob o tratamento geral dado a estrangeiro quanto à aquisição de imóveis rurais.

O § 1º do art. 12 da Constituição Federal estabelece que ‘aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição’. O referido Decreto nº 70.436/1972 regulamenta a aquisição pelos portugueses, no Brasil, dos direitos e das obrigações previstos no Estatuto da Igualdade. A Instrução Normativa nº 70/2011 do Incra, no art. 10, reza que a pessoa natural de nacionalidade portuguesa que pretender adquirir ou arrendar imóvel rural e que não apresentar certificado de reciprocidade nos termos do § 1º do art. 12 da Constituição Federal de 1988 e os Decretos nºs 3.927, de 19 de setembro de 2001, e o Decreto nº 70.391, de 12 de abril de 1972, se submeterá às exigências da Lei nº 5.709/1971, do Decreto nº 74.965/1974, e desta Instrução Normativa.

Assim, os tabeliães devem exigir a apresentação do certificado de reciprocidade para que o adquirente português não se submeta às restrições da Lei nº 5.709/1971.”

Para maior aprofundamento na questão, recomendamos a leitura da obra mencionada.

Finalizando, recomendamos sejam consultadas as Normas de Serviço da Corregedoria-Geral da Justiça de seu Estado, para que não se verifique entendimento contrário ao nosso. Havendo divergência, recomendamos obediência às referidas Normas, bem como a orientação jurisprudencial local.

Fonte: IRIB.

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