Ricardo Dip – O CNJ e os limites para uniformização de boas práticas notariais e registrais

O des. Ricardo Dip ofereceu parecer à Min. Nancy Andrighi acerca de tema que interessa muito de perto a todos os registradores e notários brasileiros.

Trata-se dos limites do CNJ para harmonizar e uniformizar as práticas notariais e registrais quando se ache em causa a necessidade de reconhecimento da esfera decisória própria dos notários e registradores que, em sua ordem, decidem, com independência jurídica, os casos postos concretamente à sua apreciação.

Segundo o eminente desembargador, deve-se afastar o fenômeno que qualifica de “uniformismo apriorístico” na redução dos vários casos concretos a uma matriz definidora e vinculante de atividades próprias desses profissionais do Direito.

Por representar um interesse evidente para toda a categoria profissional, divulgamos aqui o parecer e a sua aprovação, omitindo os nomes dos envolvidos. (SJ).

Conselho Nacional de Justiça
Autos: PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS – 0004511-80.2014.2.00.0000
Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
Requerido: CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ

DECISÃO

Aprovo o parecer emitido em 29/10/2014 pelo Desembargador Ricardo Dip.

Comunique-se à Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Paraná. Após, ARQUIVE-SE o presente procedimento.

Brasília, 29 de outubro de 2014.

Ministra Nancy Andrighi
Corregedora Nacional de Justiça

PARECER

1. A esta Corregedoria Nacional de Justiça repassou o Corregedor Geral da Justiça do Estado do Paraná, Des. EUGÊNIO ACHILLE GRANDINETTI, consulta que lhe formulara MCV, acerca (i) da ordem de acréscimo dos sobrenomes dos cônjuges e (ii) da possibilidade jurídica de sua agregação mútua, agitando -se a norma inscrita no § 1º do art. 1.565 do Código Civil:

“Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro.”

2. Não se nega a vantagem da uniformidade das boas práticas registrais, mas ela, de comum, é resultante de uma contínua experiência jurídica – a concreta experiência de casos, dos quais se vão induzindo soluções mais universais e a conclusão da boa praxis.

Diversamente, respostas desamparadas da tradição de problemas e de suas soluções levam não à desejada uniformidade de boas práticas no registro, mas apenas a um uniformismo apriorístico que nem sempre conclui de maneira conveniente.

3. A qualificação negativa na atividade própria dos registros públicos – ou seja, a recusa da prática de dado registro concretamente postulado – atrai a eventualidade do processo de dúvida (arts. 198 et sqq. e 296 da Lei n° 6.015, de 31-12-1973), que tem seu itinerário legal. Já por isso não se parece recomendável que esta Corregedoria Nacional de Justiça, também observante do princípio da legalidade, intervenha, em abstrato e de modo normativo, antecipando soluções que a lei de regência afeta, em primeiro lugar e em concreto, ao próprio registrador, que, titular de uma delegação com fundamento na Constituição federal (art. 236), é um profissional do direito que possui, natural e legalmente (art. 28 da Lei n° 8.935, de 18-11-1994), o atributo da independência nos estreitos limites jurídicos do exercício de suas funções, submetendo-se ainda seu ato de qualificação ao controle inicial das instâncias judiciárias estaduais.

Acrescente-se que a normativa em vigor sequer prevê a dúvida doutrinária, equivale a dizer, uma consulta sobre a registrabilidade em abstrato.

Fosse acaso viável o pronunciamento prévio desta Corregedoria Nacional sobre as questões objeto da consulta em tela, ou bem se anteciparia, pois, um juízo que, primeiramente, é do registrador e, depois, de modo eventual, das instâncias judiciais competentes para a apreciação e decisão das dúvidas registrária, ou bem, à falta de lei expressa acerca da questão de fundo, dar-se-ia ensejo a uma normativização correcional. Ali, com o juízo antecipado, ter-se-ia o exercício de competências administrativas per saltum, admissível embora em casos excepcionais; aqui, com a criação de normas, põe-se o risco de usurpação de competências.

4. Da letra do § 1° do art. 1.565 do Código Civil, com efeito, não se extrai, ao menos de modo evidente, resposta à versada questão da ordem do acréscimo dos sobrenomes dos nubentes.

Se, nessa parte, fosse o caso de responder à consulta, haveria (quando menos) implícita edição de norma compulsiva por esta Corregedoria Nacional.

Mas o tema objeto da vertente consulta, qual o do registro de nomes – consistente, na espécie e com maior rigor, em uma retificação positiva (acréscimo) da qualificação pessoal –, interessa não apenas ao Direito registrário, na medida em que a publicidade do nome ostenta manifesto relevo para a vida social, mas, e aqui de modo logicamente anterior e superior, ao Direito da personalidade, ou seja, o nome como atributo da pessoa e, mais além, como atributo familiar.

Tal se vê – e ainda sem cogitar do interesse da matéria no campo administrativo –, compreende-se o discutido tema em âmbitos que se submetem, no plano legislativo, à competência constitucional privativa da União (incs. I e XXV do art. 22 da Constituição da República), pelo Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República (art. 48).

É certo que compete ao egrégio Conselho Nacional de Justiça a expedição de atos regulamentares e a recomendação de providências (inc. I do § 4° do art. 103-B do Código Político de 1988), e a esta Corregedoria Nacional compete “expedir Recomendações, Provimentos, Instruções, Orientações e outros atos normativos destinados ao aperfeiçoamento das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares e dos serviços notariais e de registro, bem como dos demais órgãos correicionais, sobre matéria relacionada com a competência da Corregedoria Nacional de Justiça” (inc. X do art. 8° do Regimento Interno do Conselho, Emenda Regimental nº 1, de 9-3-2010).

Todavia, recomendações, provimentos, instruções, orientações e outros normativos, como ficou dito, “sobre matéria relacionada com a competência da Corregedoria Nacional de justiça”, sem usurpação de competências que estão assinadas na Constituição federal, nem, de comum, supressão das competências administrativas próprias dos registradores, notários e dos juízos e tribunais a que a lei assinou a tarefa inicial de fiscalizar os atos registrários e notariais.

A edição de atos normativos por esta Corregedoria Nacional supõe sempre o reconhecimento dos limites de sua competência. Nada impede – antes mesmo parece convir – que se expeça uma normativa mínima nacional para aperfeiçoar as atividades das notas e dos registros públicos, mas normativa que (i) consolide preceitos vigentes (incluída a textualização dos costumes), (ii) regulamente outros quando a lei confira ao Judiciário essa competência (p.ex., vide § 5º do art. 615-A do cpc-A do Código de Processo Civil), (iii) verse normas técnicas (na dicção do inc. XIV da Lei n° 8.935, de 1994). Vai além desses limites, contudo, uma atuação normativa que vise a colmatar lacunas no Direito posto ou a antecipar compreensão do significado normativo de dada lei.

5. A personalização jurídica autônoma dos cartórios extrajudiciais (caput do art. 236 da Constituição federal) e a independência profissional dos registradores e dos tabeliães (arts. 3° e 28 da Lei n° 8.935, de 1994) não impedem, no direito brasileiro atual, o controle intersubjetivo de suas atividades, com os correspondentes atributos de inspeção, de disciplina e de supervisão que as leis em vigor conferem ao Poder judiciário (§ 1° do art. 236 da Constituição e arts. 37, 35, inc. II, e 38 da Lei n° 8.935/1994).

O atributo de supervisão, remetido pelo Código Político à normativa subconstitucional (§ 1° do art. 236), versou-se na Lei n° 8.935/1994, que atribuiu ao Judiciário a expedição de “normas técnicas” (inc. XIV do art. 30) e o dever de zelar “para que os serviços (…) sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente” (art. 38).

Essas regras são indicativas de que o controle conferido ao Poder judiciário sobre as atividades notariais e registrárias condizem com a ideia de superintendência, assinando-se, pois, à tutoria judicial também um poder de orientação dos serviços dos registros e das notas.

Sem embargo, atributos de controle, tanto que se refiram, tal o caso, a atividades dotadas de independência jurídica, são poderes de inspeção, de disciplina, de tutela revocatória e de superintendência (ou orientação), que não incluem, contudo, poder de direção, porque a direção – que implica um dever correspondente de rigorosa observância pelos tutelados – leva a um antagonismo essencial com a independência jurídica dos destinatários.

Uma coisa é dar diretivas, recomendar boas práticas – desde que convenha fazê-lo e oportuno o seja –, outra, muito diversa, é dar ordens (ainda que ao modo geral e abstrato) em matéria que, subordinada a competência legislativa alheia, tampouco se acomoda à ideia de independência jurídica do destinatário da ordem, ressalvada sempre a ordem concreta proferida em devido processo legal (com observância do direito de defesa e de contraditório).

A matéria empolga, bem se vê, o problema da contenção constitucional: os órgãos de controle têm entre suas funções nucleares as de observar e fazer observar os lindes que preservam a intangibilidade da Constituição.

Dessa maneira, custodiar as regras de competência legislativa – entre as quais, nenhuma há, por agora, que atribua ao Poder judiciário a função de legislador positivo em matéria de notas e registros públicos, salvo o território muito limitado das “normas técnicas” (inc. XIV do art. 30 da Lei n° 8.935, de 1994) e o da competência regulamentar estrita, é um dos critérios de contenção para definir a legitimidade do controle judiciário dos registros e das notas.

Podem ainda acrescentar-se dois aspectos políticos relevantes.

Primeiro, o de que o Poder judiciário, na atuação de controle, não é representante político da sociedade, mas ente incumbido de atividade administrativa, a serviço da sociedade civil. Diversamente, a Constituição e a lei são funções da comunidade, de sorte que ostentam supremacia diante das atuações meramente administrativas. De tal sorte que, devendo a Administração (ainda a judicial) justificar-se pela norma constitucional e legal, não se vê como possa a mesma Administração ditar regras à margem de expressa ordenação normativa superior.

Segundo aspecto político: a atuação da Corregedoria Nacional de Justiça – a exemplo da que se propõe ao colendo Conselho Nacional de Justiça – baliza-se por zelar pela “autonomia do Poder Judiciário” (inc. I do § 4° do art. 103-B da Constituição federal), o que compreende também a preservação das competências dos Tribunais fiscalizados, garantia de melhor observância da forma federativa do Estado brasileiro. Não se inibe, com isso, excepcionalmente, algum exercício de competência per saltum, exercício, contudo, que não espanca o critério de resguardo das competências anteriores, critério que norteia, de modo natural, a organicidade do Judiciário.

Cabe ainda referir um ponto adicional: refere a doutrina o risco de um efeito secundário com as denominadas “normas da Administração” (legislatività dell’organizzazione – na dicção de Zagrebelski). É que, com a edição de normas extralegais ditadas pela e para a Administração, não se pode, com frequência, evitar efeitos aflitivos dos particulares que se utilizam dos serviços públicos, usuários que, entretanto, não são sujeitos tutelados pela Administração pública. Vale dizer, que as “normas da Administração” terminam por instituir, quando menos de fato, deveres e direitos subjetivos influentes na órbita das situações jurídicas dos particulares. Vai de si a inconveniência desse efeito.

6. De que segue, ausente motivo manifesto que sugira convir o pronunciamento desta Corregedoria Nacional quanto à vertente consulta, deixa-se de respondê-la.

É o parecer que submeto à consideração da Corregedora Nacional de Justiça.

Brasília, 29 de outubro de 2014.

Desembargador Ricardo Dip
Juiz Auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça.

Fonte: Observatório do Registro | 15/11/2014.

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O que eu posso ganhar ou perder? – Parte III – Conclusão – Por Amilton Alvares

* Amilton Alvares

O tema principal deste estudo é “Quão difícil é seguir Jesus”. O questionamento que serve de título é uma pergunta inerente ao tema, pergunta que costuma invadir a nossa mente sempre que temos de enfrentar situações novas. No primeiro estudo da série, abordamos o tema sob a perspectiva das mudanças. O que eu posso ganhar ou perder se fizer isto ou aquilo? Na segunda parte, abordamos o tema sob a perspectiva das incertezas. Porque não estabelecemos um canal direto de comunicação com Deus antes de tomar decisões, deixamos Deus à margem das nossas decisões. Deus fica na prateleira de nossa vida, como se fosse um soldado de reserva. Cabe agora concluir o estudo sob o prisma da simplicidade (ou praticidade) de permanecer onde estamos e mudar as atitudes. É que diante das dúvidas, inquietações e perspectivas de mudanças radicais, talvez a melhor opção seja a de permanecer onde Deus colocou você. Permanecer na profissão ou no emprego, permanecer casado, permanecer na mesma comunidade, preservar amizades e conquistas e permanecer em silêncio para aprender a ouvir a voz de Deus. Dar frutos onde Deus colocou você.

O nosso estudo foi orientado pelo texto do Evangelho de Lucas, capítulo 9, versos 57 a 62. Nessa passagem, Jesus de Nazaré estabeleceu diálogo com três homens. O apelo ou proposta era no sentido de seguir Jesus. No texto bíblico, os interlocutores disseram ou deram a entender que fariam isso depois, pois tinham coisas mais importantes para resolver. Jesus não insistiu. Ao que tudo indica, aqueles três homens não prosseguiram na jornada com Jesus.

A mesma passagem de Lucas pode ser lida no Evangelho de Mateus (Capítulo 8, versos 18 a 22). O relato de Lucas é mais completo, mas o texto de Mateus ilumina o pensamento quando se considera a possibilidade de permanecer no front. Veja-se que dois daqueles homens, que dialogaram com Jesus, deviam estar integrados ou muito próximos do grupo do Messias. Um deles era escriba; fazia parte do grupo religioso daquela época e, ao chamar Jesus de mestre e prometer seguir o Salvador, demonstrou estar integrado na seara ou então que pretendia se integrar à comitiva de Jesus, que empolgava as multidões. O outro era discípulo (Mt.8:21), portanto, decididamente estava integrado ao grupo de Jesus. Estes homens, que já estavam dentro da "campanha", ofereceram-se então para seguir a Jesus para onde quer que o Salvador fosse. É mais ou menos isso que a decisão de permanecer pode exigir da gente. Simplesmente permanecer no front com maior determinação. Apesar das dificuldades, eu tomo a decisão de vestir a camisa da empresa onde trabalho; quero assumir a paternidade (ou maternidade) responsável, desejo permanecer na minha comunidade e ajudar os meus companheiros, quero permanecer casado (e bem casado), ser um bom filho, tocar o meu ministério ou ofício com zelo e dedicação. Nas mudanças para coisas novas os sonhos normalmente florescem. Sonhar faz bem à mente e à saúde. Não devemos nos encolher quando somos chamados a deixar a zona de conforto e mudar. Mas a verdadeira mudança pode ser estabelecida dentro de nós e na situação em que a gente já está vivendo. Eu posso seguir a Jesus com outra motivação e disposição, eu posso me dedicar inteiramente a fazer o meu casamento dar certo, eu posso assumir a minha profissão ou função e dar o meu melhor, independentemente das circunstâncias. Você pode dar fruto onde está, até mesmo sem necessidade de grandes mudanças. Você pode transformar em benção um ambiente de sofrimento. Os “quês” e os “porquês” terão boas respostas, e a paz e segurança que você tanto busca estarão numa linha de desdobramento natural das mudanças implementadas em suas atitudes. Jesus de Nazaré não está oferecendo um lugar confortável para você reclinar a cabeça nesta Terra – “O Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”. O que Ele oferece pode ser menos agora, mas será muito mais depois – Vida Eterna com Deus. Não podemos saber previamente como vamos terminar a jornada terrena, e esse é o mais poderoso instrumento de Deus para desenvolver a nossa fé. As mudanças se apresentam diante de nós e os desafios sempre exigem um certo tempero da prudência com a ousadia. Experimente mudar! Tente mudar, não desista dos seus sonhos. Talvez você tenha que abandonar a zona de conforto de sua vida. Confia no Senhor. Não se esqueça que Jesus Cristo é Salvador de homens pecadores e que o justo viverá pela fé.  Persevere! O convite de Jesus é permanente. Você é importante para Ele e pode seguir o seu mestre no ambiente em que você está. As pessoas podem olhar para você e ver a face de Jesus estampada em sua cara. Ame a Deus; ame o próximo. Você só tem a ganhar; se não for agora, será na eternidade com Deus. O Salvador quer você em seu time e recomenda: "Buscai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça e todas as outras coisas vos serão acrescentadas (Mateus 6:33)

Clique aqui e leia a Parte II.

Clique aqui e leia a Parte I.

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* O autor é Procurador da República aposentado, Oficial do 2º Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos/SP, colaborador do Portal do Registro de Imóveis (www.PORTALdoRI.com.br) e colunista do Boletim Eletrônico, diário e gratuito, do Portal do RI.

Como citar este artigo: ALVARES, Amilton. O QUE EU POSSO GANHAR OU PERDER? – PARTE III – CONCLUSÃO. Boletim Eletrônico do Portal do RI nº. 0219/2014, de 17/11/2014. Disponível em https://www.portaldori.com.br/2014/11/17/o-que-eu-posso-ganhar-ou-perder-parte-iii-conclusao-por-amilton-alvares/. Acesso em XX/XX/XX, às XX:XX.

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CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Aquisição de bem por menor incapaz – Origem desconhecida dos recursos – Necessidade de alvará judicial – Verificação, pelo ministério público e pelo órgão jurisdicional, da efetiva proteção do interesse do menor – Menor representado apenas pelo pai, sem justificativa para ausência da mãe na escritura – Impossibilidade de registro – Recurso provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0072005-60.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado D.S.C. (REPRESENTADO POR SEUS GENITORES CARLOS EDUARDO CRISCUOLO E MARCELA REGINA DA SILVA). 
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR MAIORIA DE VOTOS, DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. VENCIDO O DESEMBARGADOR GERALDO PINHEIRO FRANCO, QUE DECLARARÁ VOTO. DECLARARÃO VOTOS VENCEDORES OS DESEMBARGADORES ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO E RICARDO MAIR ANAFE.“, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 7 de outubro de 2014.
ELLIOT AKEL 
RELATOR

Apelação Cível nº 0072005-60.2013.8.26.0100
Apelante: Ministério Público
Apelado: Diego da Silva Criscuolo (menor representado pelos genitores)
Voto nº 34.086
REGISTRO DE IMÓVEIS – ESCRITURA DE COMPRA E VENDA – AQUISIÇÃO DE BEM POR MENOR INCAPAZ – ORIGEM DESCONHECIDA DOS RECURSOS – NECESSIDADE DE ALVARÁ JUDICIAL – VERIFICAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E PELO ÓRGÃO JURISDICIONAL, DA EFETIVA PROTEÇÃO DO INTERESSE DO MENOR – MENOR REPRESENTADO APENAS PELO PAI, SEM JUSTIFICATIVA PARA AUSÊNCIA DA MÃE NA ESCRITURA – IMPOSSIBILIDADE DE REGISTRO – RECURSO PROVIDO, COM ENVIO DE PEÇAS AO JUIZ CORREGEDOR PERMANENTE PARA QUE TOME PROVIDÊNCIAS EM FACE DO NOTÁRIO QUE LAVROU A ESCRITURA. 
Trata-se de recurso de apelação, interposto pelo Ministério Público contra sentença que julgou improcedente dúvida suscitada pelo 17º Oficial do Registro de Imóveis de São Paulo.
O interessado, menor absolutamente incapaz, representado por seu pai, levou a registro escritura de compra e venda de imóvel. O registro foi negado pelo Oficial, sob a justificativa de que, no procedimento disciplinar de nº 2013/96323, um notário foi apenado, justamente por não exigir alvará para lavrar escritura pública de compra e venda de imóvel adquirido por menor, com recursos próprios.
Ainda assim, o Oficial fez a ressalva de que a questão é controvertida, pois a aquisição de bens a favor do menor aumentaria o seu patrimônio e viria, portanto, em seu benefício. E ressalvou, também, o fato de que não houve descrição de doação na escritura, razão pela qual não poderia fiscalizar eventual falta de recolhimento de ITCMD.
Mesmo diante dessas ressalvas, o Oficial negou o registro, justamente em razão da decisão exarada no procedimento disciplinar acima mencionado.
O interessado, representado por seu pai – a mãe só outorgou procuração a advogado quando da apresentação de contrarrazões -, argumentou que a decisão em que se baseou o Oficial não tem caráter normativo e foi tomada em um caso isolado, em que o menor adquiriu o bem com recursos próprios. Disse que, aqui, está adquirindo o imóvel com recursos outros. Obtemperou, também, que nem o art. 1.691 do Código Civil nem o item 41, ‘e’, do Cap. XIV, das NSCGJ exigem o alvará judicial, pois a aquisição é feita no interesse do menor. A autorização só seria necessária para alienar ou gravar de ônus reais imóveis dos filhos menores. Por fim, quanto ao recolhimento de tributo (ITCMD), não caberia ao Oficial fiscalizá-lo, uma vez que a escritura não se refere a doação.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, mas a sentença dispôs que não há restrição legal à aquisição de bens para filhos menores, em seu interesse. Quanto à questão tributária, dado que a escritura não mencionou a existência de doação, não caberia ao Oficial questionar a origem dos recursos para aquisição do imóvel nem o recolhimento de ITCMD.
A Procuradoria de Justiça recorreu, observando que a mãe do menor não compareceu à escritura e que o título não retrata a realidade inerente aos negócios realizados. Se, conforme alegação de fl. 34, o bem foi adquirido por recursos outros, entende o Ministério Público que a escritura deveria expor qual negócio possibilitou ao menor ter recursos para comprar o imóvel. Observou, ademais, que não há como presumir que o negócio foi feito em benefício do menor, dado que ele pode estar sendo usado, por exemplo, para propiciar a ocultação de patrimônio, lavagem de dinheiro, fraude contra credores ou sonegação fiscal.
Em contrarrazões, o interessado reiterou os mesmos argumentos, acrescentando que a apuração sobre a origem financeira do numerário usado na compra do bem é questão que escapa ao Oficial. Citou pretenso precedente do Superior Tribunal de Justiça, mas sequer o identificou (fl. 66).
É o relatório. 
Observa-se, de início, que na escritura pública de compra e venda de fls. 21/23 o menor está representado apenas por seu pai. Não se faz qualquer menção à mãe ou à razão pela qual não ela ao ato notarial.
É certo, contudo, que o art. 1.690, em consonância com o art. 1.634, inciso V, também do Código Civil, prescreve que compete aos pais e, na falta de um deles, ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos. E o parágrafo único, por sua vez, diz que os pais devem decidir em comum às questões relativas aos filhos e a seus bens; havendo divergência, poderá qualquer deles recorrer ao juiz para a solução necessária.
Aqui, não se verifica nenhuma razão para que a mãe tenha deixado de comparecer na escritura. Não há falta dela – veja-se que outorgou procuração na fase de contrarrazões -, impedimento ou incapacidade, fatos que poderiam justificar a exclusividade da representação pelo pai.
Logo, apenas por essa razão já não se poderia registrar a escritura, tal como elaborada.
Não se trata apenas disso, contudo. O alvará judicial era mesmo necessário para a aquisição do imóvel pelo filho menor.
Com efeito, o item 41, ‘e’, do Cap. XIV, das NSCGJ, dispõe que o Tabelião de Notas, antes da lavratura de qualquer ato, deve:
exigir os respectivos alvarás, para os atos que envolvam espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial, incapazes, sub-rogação de gravames e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a eles relativos, sendo que, para a venda de bens de menores incapazes, o seu prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária.” 
O item é composto de duas partes distintas. A primeira parte diz que o Tabelião deve “exigir os respectivos alvarás, para os atos que envolvam espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, empresário ou sociedade empresária em recuperação judicial, incapazes, sub-rogação de gravames e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a eles relativos”. A segunda parte afirma que “para a venda de bens de menores incapazes, o seu prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária.” 
Ora, em nenhum momento o item dispõe que não é necessário alvará para a aquisição de imóvel por menor incapaz. Ao contrário, é claro ao afirmar a exigência de alvará para atos que envolvam incapazes e outros que dependam de autorização judicial para dispor ou adquirir bens imóveis ou direitos a ele relativos.
A ressalva da segunda parte do em nada infirma o que foi dito. Aliás, o dispositivo apenas repete o art. 220, parágrafo único, das NSCGJ – Cartórios Judiciais. Trata-se, tão somente, de uma precaução a mais, dada a relevância, perante o ordenamento, da alienação de bem de menor incapaz. Exigem as Normas que, no caso específico de alvará para alienação, o prazo deverá estar estabelecido pela autoridade judiciária. De onde se conclui que, nos demais casos, embora necessário o alvará, não se exige a indicação de prazo.
Visto que as Normas não dispensam a apresentação de alvará, resta verificar se o Código Civil o faz.
A resposta também é negativa.
Na dicção do art. 1.691, os pais não podem alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.
O interessado aduz que não se tratou de alienar nem de gravar de ônus real imóvel de menor. Ao contrário, cuidou-se de adquirir patrimônio em seu favor, o que vai ao encontro de seu melhor interesse. Nada se perdeu, mas se acresceu ao patrimônio do incapaz. Daí porque seria desnecessária autorização judicial.
O argumento não convence, contudo. O negócio de compra e venda do imóvel implicou a contração de obrigação – pagamento do preço de R$ 191.279,07 – que ultrapassa, obviamente, os limites da mera administração, não havendo qualquer comprovação de necessidade ou evidente interesse do incapaz, o que, justamente, deveria ter sido feito mediante pedido de alvará, quando o Juiz verificaria a presença de tais requisitos.
Não se indicou, na escritura, de onde provieram os recursos para a compra do imóvel (o menor tinha onze anos de idade ao tempo da lavratura da escritura). Há de se presumir, portanto, que se trataram de recursos próprios do menor. Essa a única conclusão que permite a leitura do título.
Caso se tratasse de doação, bastaria que se expusesse o negócio na escritura. Tratar-se-ia de uma doação modal, seguida de compra e venda, em nexo de interdependência. Recolher-se-ia o ITCMD relativo à doação e não haveria qualquer problema, pois, aí sim, estaria ressalvada a possibilidade de fraude e não haveria dúvida acerca do melhor interesse do menor.
Porém, como disse o interessado, trataram-se de “recursos outros” (fl. 34), que, por opção sua, não estão esclarecidos na escritura.
Se de fato não cabe ao Tabelião perscrutar a origem dos recursos do menor, ao se optar por não esclarecer, no ato da escritura, a origem dos recursos, não se deixou alternativa outra que não a de se presumir que eles estão incorporados ao patrimônio do menor. Vale dizer, são recursos do incapaz.
Ora, se são recursos do incapaz e se, como visto, o ato implicou a contração de obrigação que ultrapassa os limites da simples administração, é evidente que o alvará era necessário. Há uma série de circunstâncias que o juiz deve verificar para concluir que negócio de tal monta interessa mesmo ao incapaz ou se é necessário, ainda mais porque, na verdade, como nem observado pelo Ministério Público, há possibilidade de que ele esteja sendo usado para encobrir fraude contra credores ou ao fisco.
Mesmo os aspectos relativos ao negócio em si deveriam ter sido apreciados pelo Ministério Público e pelo Juiz, no melhor interesse do menor. Cite-se, ainda que na esfera jurisdicional, trecho do Acórdão do Agravo de Instrumento n. 152.031.4-0 – Rel. Des. Zélia Maria Antunes Alves, onde se esclarecem as razões pelas quais a intervenção é pertinente:
Agravo de Instrumento – Alvará – Aquisição de imóvel, com numerário de menor absolutamente incapaz – Avaliações elaboradas por imobiliárias – Inadmissibilidade – Necessidade de proteção do patrimônio do menor – Determinação de avaliação judicial, para aferição do real valor do bem – Recurso provido. 
“Em se tratando de operação de venda e compra, por menor, absolutamente incapaz, com numerário próprio, representada por sua mãe, de rigor, para prevenir possível prejuízo, seja o bem imóvel, a ser adquirido, avaliado, por perito nomeado pelo Juízo. 
Não basta, ao contrário do entendimento pela MM. Juíza “a quo”, embora louvável sua preocupação com os gastos com a perícia, a serem suportados pela própria menor, ora agravada, a juntada de avaliações, simples e sucintas, elaboradas por 03 (três) imobiliárias distintas, apresentadas por sua representante. 
Tais avaliações, ainda que não se discuta a idoneidade das empresas que as realizaram, em razão de solicitadas por pessoa diretamente interessada na transação, não substituem, para o fim a que se destinam – compra de imóvel com numerário pertencente a menor, cujos interesses devem ser acima de tudo protegidos, a avaliação por perito judicial. 
Impõe-se, na espécie, para a proteção e segurança do patrimônio da menor, ora agravada, total controle e pleno conhecimento, pelo Juízo e pelo Ministério Público, órgãos incumbidos pelo Estado de zelar pelos interesses dos incapazes, de todas as circunstâncias e pormenores do negócio, principalmente, o valor de mercado do imóvel. 

Em assim sendo, imprescindível a avaliação judicial, por perito especializado, com descrição pormenorizada do imóvel e do local onde se situa, e, com indicação fundamentada de seu real valor de mercado.” 
Não bastasse isso, ao contrário do que sustentou a sentença, o precedente trazido pelo Oficial tratou, sim, de hipótese similar à dos autos. Veja-se o trecho relevante do parecer, devidamente aprovado pelo então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini, que fundamentou o apenamento disciplinar de Tabelião que não exigiu o alvará para a lavratura de escritura pública:
A questão posta em exame refere-se à ocorrência de ilícito administrativo na hipótese do Tabelião não exigir alvará judicial para lavratura de escritura pública de compra e venda na qual os compradores tenham a situação jurídica de menores. 
A exigência constava expressamente no item 12, “e”, do Capítulo XIV, do Tomo II, das NSCGJ, vigente à época (atualmente a previsão está contida no art. 41, “e”, do Capítulo XIV, das NSCGJ, no qual existe previsão da necessidade de autorização judicial para aquisição de bens imóveis ou direitos e ele relativos por incapazes). 
É fato incontroverso e documentalmente provado a lavratura da escritura pública pelo recorrente sem a observação das normas incidentes na espécie (a fls. 05/07). 
A norma administrativa tem seu fundamento no art. 1.691, 2ª parte, do Código Civil, o qual estabelece a necessidade de prévia autorização judicial para atos de administração extraordinária do patrimônio de incapazes. 
A situação posta nos autos tem sua qualificação jurídica justamente na norma em comento, porquanto ao se considerar a titularidade dos recursos financeiros pelas menores, obviamente, cabia prévia autorização judicial para prática do ato justamente para a proteção dos interesses das incapazes, notadamente quanto ao valor do bem e o interesse dos menores em sua aquisição, sobretudo diante do dever de sustento da representante legal (genitora).
” 
Dessa maneira, por qualquer ângulo que se analise a questão, a conclusão é pela necessidade do alvará, razão pela qual andou bem o Oficial ao negar o registro da escritura pública. E andou mal o Tabelião de Notas de Ermelino Matarazzo ao lavrá-la, sem o alvará.
Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso, julgando procedente a dúvida.
Determino, ademais, a extração de cópias e envio ao Juiz Corregedor Permanente da 2ª Vara de Registro Públicos da Capital, para a tomada de providências disciplinares em face do Tabelião que lavrou a escritura.
HAMILTON ELLIOT AKEL 
Corregedor Geral da Justiça e Relator 

 
Apelação Cível nº 0072005-60.2013.8.26.0100
Apelante: Ministério Público
Apela do: Diego da Silva Criscuolo (menor representado pelos genitores) Voto nº: 26.777
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO 
DO DESEMBARGADOR PINHEIRO FRANCO, PRESIDENTE DA SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL 

Sem embargo da tese lançada pelo E. Desembargador Relator, e sempre com o devido respeito, entendo ser caso de negar provimento ao recurso.
Busca-se o ingresso no registro imobiliário de escritura de venda e compra de imóvel adquirido por menor representado pelo pai.
O registro foi obstado pelo Registrador, por entender necessário alvará judicial, presumindo que o bem foi adquirido com recursos próprios do menor, uma vez inexistente qualquer referência sobre eventual doação.
A r. sentença ressaltou que a exigência de alvará se dá para alienação, como medida protetiva ao menor, sendo que a compra não exige alvará. Desta sorte, o Juízo a quo determinou o registro do título.
Há, de fato, omissão quanto à origem do numerário. O interessado informou que se valeu de “recursos outros”, consistentes na doação modal acoplada à compra e venda. Isso implicou no recolhimento do ITBI e não do ITCMD.
Na minha ótica, cabe ao registrador fiscalizar apenas o recolhimento dos tributos incidentes sobre os fatos geradores consubstanciados no título. E não existe no ato notarial em exame elemento a identificar o fato gerador do imposto de transmissão relativo à doação.
A origem do numerário não interessa ao direito civil, mas ao fisco, consoante precedente trazido aos autos. E não se pode presumir a existência de fraude.
O registrados só pode exigir o tributo vinculado ao título.
Pois bem.
A presunção é de que a aquisição foi feito em favor do menor (lógica do razoável), que foi representado pelo pai. E o poder familiar pode ser exercido pelo pai ou mãe ou por ambos (artigos 1630 e seguintes do CC e artigo 21 do ECA) .
É cediço que menores incapazes dependem de autorização para alienar bens imóveis, não para adquirir na forma da lei civil.
Ora, na aquisição não há risco, salvo em situações especiais, comprovadas. E mais: se o dinheiro era do menor, o alvará deveria ter exigido no momento do levantamento, junto ao banco, não no momento da prática do ato notarial “data venia”.
Não toca ao tabelião o controle da origem.
Mesmo que tenha havido doação, ao tabelião não cabe controlar essa situação, vez que negócio jurídico dessa natureza não se materializou no ato.
Destarte, o procedimento do tabelião está correto e o título apto a registro.
Pelo meu voto, pois, pedindo licença para divergir no caso do E. Desembargador Relator, nego provimento ao recurso.
PINHEIRO FRANCO 
Presidente da Seção de Direito Criminal

Conselho Superior da Magistratura
Apelação Cível n° 0072005-60.2013.8.26.0100
Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo
Apelado: D. S. C. (representado por Carlos Eduardo Criscuolo e Marcela Regina da Silva
DECLARACÃO DE VOTO VENCEDOR
VOTO N. 28.103
1. Nestes autos de dúvida, o Ministério Público interpôs apelação contra sentença dada pela Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, corregedora permanente do 17° Ofício de Registro de Imóveis da Capital. Essa sentença julgou improcedente a dúvida , para que se pudesse proceder ao registro stricto sensu de transmissão de domínio por compra e venda.
2. O eminente Desembargador Relator provê à apelação para que , reformada a sentença , não se proceda ao registro stricto sensu. Segundo seu voto, esse registro tem de ser recusado não só porque o comprador , menor absolutamente incapaz, foi representado apenas por seu pai (conquanto não houvesse razão para a mãe deixasse de comparecer à escritura pública), como ainda porque não se apresentou alvará judicial que autorizasse a aquisição do imóvel, que não se pode considerar mero ato de administração. Além disso, o eminente Relator determina que se extraiam peças dos autos, para que a corregedoria permanente tome providências disciplinares contra a tabeliã que lavrou a escritura pública.
O registro stricto sensu realmente tem de ser recusado. Tratando-se do patrimônio de filhos sob pátrio poder, o Cód. Civil, art. 1.691 , caput, só concede aos pais os poderes para praticar atos ordinários de administração. No caso, o ato ordinário de administração não parece ter-se configurado , uma vez que não se conseguiu apurar a proveniência do numerário empregado para que o incapaz pagasse o preço. Ademais , o filho absolutamente incapaz havia de ter sido representado por ambos os pais, já que não havia óbice para que algum deles comparecesse (CC/2002 , art. 1.690).
Não se está a dizer que a autorização judicial deva ser exigida em todo e qualquer negócio jurídico que implique aquisição imobiliária por menor. Em primeiro lugar, pode haver aquisições imobiliárias de valor tão reduzido , que não seja exigível sequer a escritura pública (CC/2002, arts. 107- 108), e em tais casos não é equitativo supor que se faça necessária a intervenção do Poder Judiciário. Em segundo lugar, como diz expressamente o art . 1.690, caput, o alvará judicial só imprescindível , em todo e qualquer caso, quando se tratar de alienação ou oneração de imóvel, ou de obrigação que extrapole os limites da mera administração . Obviamente , nem toda aquisição imobiliária se enquadra nesse último caso , de modo que nem sempre se faz necessária a autorização judicial. Contudo, é justamente por isso (ou seja , porque em alguns casos a aquisição imobiliária pode ser ato de mera administração , e em outros não) que o tabelião precisa tomar alguma declaração acerca das circunstâncias em que o numerário foi adquirido e está sendo empregado pelo menor.
Tampouco se afirma que preocupações de ordem tributária (por exemplo , o pagamento do imposto sobre doações) ou criminal (por exemplo , o controle da lavagem de dinheiro) sempre justifiquem a intervenção do juiz, ou impeçam que o tabelião qualifique o negócio jurídico com independência jurídica e livremente se decida pela lavratura do ato. Finalmente, também não se pode concluir que o CC/2002, art. 1.691, leve em conta a existência ou não de prejuízo para o menor, para que haja exigência ou não da autorização judicial. Só está a declarar que, neste caso concreto , a solução correta está na negativa do registro stricto sensu.
Entretanto, não está patente que tenha ocorrido infração funcional por parte da tabeliã . As Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça- NSCGJ, tomo 11, cap. XIV, 41 , e, determinam que o tabelião de notas tem de exigir alvará para atos que envolvam incapazes, é verdade. Contudo, é também certo que o CC/2002, art. 1.691, não declara explicitamente que toda e qualquer aquisição imobiliária extrapole a mera administração. Dessa maneira, nesse específico caso só se pode considerar a explicitação contida nas NSCGJ como recomendação, mas não como uma extensão que afirme aquilo o que a própria lei não diz. Também ao notário – que é profissional do Direito dotado de independência jurídica (Lei 8.935/1994, art. 28)- sobra, aí, espaço para julgar da necessidade , no caso concreto, da autorização judicial, e o erro nessa avaliação (como o próprio equívoco quanto à incidência do art. 1.690) não pode ser considerado, ipso facto, violação a dever funcional. À semelhança do que se passaria se um juiz , nessa mesma hipótese, houvesse concedido autorização na verdade incabível, não se pode aceitar a conclusão de que a punição deva decorrer até mesmo de um equívoco notarial que não seja aberrante: “(…) nas hipóteses em que a conduta é inferida e não descrita, notadamente naquelas infrações contra os princípios da Administração Pública, impõe-se a análise do fato ao ângulo da razoabilidade , por isso que, não obstante a indeterminação do conceito , assentou-se em notável sede clássica, que se não se sabe o que é razoável, é certo o que não é razoável, o bizarro, o desproporcional.” (STJ, REsp 721.190, Rei. Luiz Fux, j . 13.12.2005).
3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso.
ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO 
Presidente da Seção de Direito Público

Conselho Superior da Magistratura
Apelação Cível n° 0072005-60.2013.8.26.0100
Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo
Apelado: D. S. C. (representado por Carlos Eduardo Criscuolo e Marcela Regina da Silva
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR
Registro de Imóveis.
Recurso contra decisão que julgou improcedente a dúvida e determinou o registro de escritura de compra e venda de imóvel em que figura como comprador menor de idade, representado apenas pelo genitor – Ausência de referência, na escritura, da origem do dinheiro usado na aquisição do bem- Necessidade de alvará judicial – Inteligência dos artigos 1.690 e 1.691 do Código Civil, artigo 289 da Lei de Registros Públicos e artigo 134 do CTN.
Dá-se provimento.
1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do 17° Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, Capital, que deferiu o registro de escritura de compra e venda de imóvel mesmo sendo o adquirente menor de idade, inexistindo alvará judicial a autorizar o aludido negócio jurídico, celebrado exclusivamente pelo genitor.
É o relatório.
2. Respeitado entendimento contrário do Excclentíssimo Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça, é mesmo o caso de provimento do recurso, tal como fundamentado pelo Excelentíssimo Desembargador Relator, Digníssimo Corregedor Geral da Justiça.
Com efeito, o artigo 1.690 do Código Civil exige a presença “dos pais” na celebração de negócios jurídicos pelos filhos menores (trata-se de um requisito de validade, especialmente em negócios jurídicos envolvendo altos valores); “na falta de um deles” caberá ao outro representar o filho menor com exclusividade.
In casu, não constou da escritura pública que a mãe havia outorgado procuração para concretização do negócio jurídico, não se podendo presumir essa concordância materna. A escritura omite questão importantíssima para a validade da própriacompra e venda (requisito subjetivo -capacidade do agente).
Demais, da escritura pública de compra e venda (fl. 21/23) nada consta a respeito da origem do dinheiro usado na aquisição do bem imóvel.
Conclui-se, por conseguinte, que os recursos utilizados na compra eram do próprio menor. Nessa hipótese, indispensável autorização judicial , ex vi do disposto no artigo 1.691 do Código Civil, pois o ato extrapola os limites da“simples administração “.
E, ainda que o dinheiro não fosse, in thesis, do menor , tal como mencionado a fl. 34, porque adquirido o bem com o dinheiro dos pais “objetivando garantir um melhor futuro para os seus filhos”, não comportaria registro o título em questão, por não haver notícia do recolhimento do imposto incidente sobre a doação (ITCMD).
Com efeito, o artigo 289 da Lei 6.015/73 dispõe que: “no exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do oficio”.
A doação do dinheiro para o fim específico de aquisição do imóvel estaria intimamente ligada à compra e venda, podendo-se dizer que um não existiria sem o outro. Tratando-se, em realidade , de um negócio jurídico complexo, caberia ao Oficial “fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos”. Caso contrário, poderia incidir a solidariedade prevista no artigo 134, VI , do Código Tributário Nacional.
A propósito, ensina Afrânio de Carvalho que “ao invés de serem celebradas duas escrituras, com excesso de formalismo, celebra-se uma única, em que se reúnem a doação e a compra e venda, tendo o título plena validade para o registro”1.
1 CARVALHO, Afranio de, Registro de Imóveis, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1.982, p. 111.
Todavia, para que fosse possível tal registro , haveria de ser exigida a prova do recolhimento do imposto respectivo (ITCMD), além do TTBT devido por força da compra e venda.
Por epitome, inexistindo alvará judicial bem como participação expressa da genitora (artigos 1.690 e 1.691 do Código Civil), e tampouco havendo prova do recolhimento do imposto relativo à suposta doação do dinheiro para a compra do imóvel (artigo 289 da Lei de Registros Públicos), correta a recusa de ingresso do título ao fólio real.
3. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, pelo meu voto , dá-se provimento ao recurso.
RICARDO ANAFE 
Presidente da Seção de Direito Público

Fonte: Blog do 26 | 13/11/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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