PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. RESERVA LEGAL. CADASTRO AMBIENTAL RURAL AINDA NÃO IMPLANTADO. AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. OBRIGATORIEDADE.

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO 0002118-22.2013.2.00.0000

Requerente: Ministério Público do Estado de Minas Gerais
Interessado: Bergson Cardoso Guimaraes
Leonardo Castro Maia
Bruno Guerra de Oliveira
Alceu José Torres Marques
Carlos Eduardo Ferreira Pinto
Mauro da Fonseca Ellovitch
Carlos Alberto Valera
Felipe Faria de Oliveira
Ana Eloisa Marcondes da Silveira
Francisco Chaves Generoso
Marcos Paulo de Souza Miranda
Marcelo Azevedo Maffra
Marta Alves Larcher
Requerido: Corregedoria de Justiça do Tribunal de Justiça de Minas Gerais

EMENTA

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. NOVO CÓDIGO FLORESTAL. RESERVA LEGAL. CADASTRO AMBIENTAL RURAL
AINDA NÃO IMPLANTADO. AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. OBRIGATORIEDADE.

1. O texto do Novo Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012, alterada pela Lei n.º 12.727/2012) provocou alterações no sistema de proteção e controle da área de reserva legal das propriedades rurais, uma vez que o referido dispositivo promove consistente modificação na forma de realização do seu registro junto aos órgãos competentes.

2. Somente o Cadastro Ambiental Rural desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis. Assim, considerando-se que o registro no "CAR" é fator imprescindível para a total aplicação do preceito legal, enquanto não implantado, permanece a obrigação imposta na Lei nº 6.015/73 para averbação na matrícula do imóvel, pois o Novo Código Florestal não preconiza liberação geral e abstrata.

3. A manutenção da obrigação de averbar no Registro de Imóveis, enquanto ainda não disponível o Cadastro Rural, atende, portanto, ao princípio da prevenção ambiental, tal qual previsto pela Lei nº 6.938, de 1981, em seu art. 2º.

4. Pedido que se julga procedente para manter hígida a obrigação da averbação da Reserva Legal junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. CONSELHEIRA ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO
(RELATORA)

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido liminar, formulado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, em
face da Corregedoria-Geral de Justiça, daquele Estado, que, por meio da Orientação nº 59.512/2012 e do Provimento nº 542/2012, afastou a
obrigação legal de averbação, junto aos cartórios competentes, das áreas de reserva legal de bens imóveis.

Aduz o requerente que, com a publicação da Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012 (Novo Código Florestal), a averbação da área de reserva
legal de bens imóveis passou a ser uma faculdade do proprietário, desde que a área esteja inscrita no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Todavia,
como o cadastro ainda não fora implantado, subsistiria a obrigatoriedade de que fosse averbada a área de reserva legal.

Relata que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no entanto, editou Orientação em que afirma ser "facultativa a averbação da reserva legal no Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do art. 18, § 4º, da Lei nº 12.651/12 [com a redação dada pela Lei nº 12.727 de 2012], mostrandose, assim, sem amparo legal qualquer exigência de prévia averbação da reserva legal como condição para todo e qualquer registro envolvendo imóveis rurais (p. 6, DOC 4)".

Alega que esse entendimento traz grave ameaça ao meio ambiente, porquanto não haverá controle do poder público das áreas legalmente
protegidas. Além disso, segundo o Ministério Público mineiro, não há amparo legal para a orientação exarada pelo TJMG, de que a obrigatoriedade da averbação consta da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, em seu art. 167, II, 22, dispositivo que não foi revogado pelo Código Florestal, em virtude do veto da Presidência da República ao art. 83 da Lei nº 12.651.

Ao final, com fundamento consubstanciado no dever público de proteção ao meio ambiente e, considerando, ainda, subsistir a necessidade de
averbação, requer, liminarmente, a suspensão da Orientação nº 59.512/2012 e do Provimento nº 242/2012 a fim de manter inalterada a exigência da averbação da reserva legal às margens do registro dos imóveis rurais. No mérito, requer a desconstituição dos atos do Tribunal.

O então Relator, o eminente Conselheiro Neves Amorim, deferiu o pedido liminar, "para sustar os efeitos da Orientação nº 59.512/2012 e do
Provimento nº 242/2012 até decisão final neste Procedimento de Controle Administrativo". (DEC10). Determinou-se, ainda, a intimação de todos os Tribunais de Justiça do país, para conhecimento da medida cautelar.

A liminar foi apreciada e ratificada pelo Plenário desta Casa, em 23 de abril de 2013, por ocasião da 20ª Sessão Extraordinária (CERT14).

Instado a se manifestar, o Tribunal de Justiça apresentou as informações fornecidas pela Corregedoria-Geral de Justiça. Na oportunidade,
asseverou, em suma, que, após estudos realizados no âmbito daquela Corte, concluiu-se pela "desnecessidade da averbação da reserva legal
junto aos Cartórios de Registro de Imóveis, diante da nova sistemática adotada pela Lei 12.651/12, alterada pela Lei 12727/12, o que culminou
na edição do Provimento 242/12/CGJMG. (…) Destarte, entendeu-se que o registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Registro
de Imóveis, nos termos do citado dispositivo legal. A averbação no Cartório de Registro de Imóveis passa a agora a ser uma faculdade e não condição obrigatória." (INF16).

Alega, também, que o veto presidencial ao artigo 83 da Lei 12.651/12 não tem o condão de vincular as decisões do "administrador/julgador",
porquanto se tornaria norma de natureza cogente. Finalizou, asseverando que não há amparo legal para exigência de prévia averbação de reserva legal rural.

Posteriormente, o feito fora encaminhado a esta Relatora para análise de eventual prevenção, em razão do PCA nº 0001186-34.2013.2.00.0000.
Acolhida a prevenção, redistribuiu-se o presente PCA a esta relatoria. (DESP46)

Assim sendo, procedeu-se à intimação do requerente para se manifestar acerca das alegações do TJMG. Em atenção, o Ministério Público de
Minas Gerais, em novo arrazoado, reiterou os termos do requerimento inicial. (INF49)

É o relatório.

VOTO

A EXMA SRA. CONSELHEIRA ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO
(RELATORA):

O caso em comento fora muito bem examinado pelo então Relator, o e. Conselheiro Neves Amorim, por ocasião da análise do pedido liminar
(DEC10). Na oportunidade, embora a decisão tenha sido proferida em apreciação de medida cautelar, sistematicamente e, com bastante
propriedade, o então Relator adentrou ao mérito da questão com fundamentos robustos, razão pela qual, sua tese não deve ser desprezada por esta Relatora, que, por oportuno, a acompanha integralmente.

Contudo, para melhor análise do presente feito, torna-se prudente um exame mais aprofundado do Novo Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012,
alterada pela Lei n.º 12.727/2012), em razão das alterações no sistema de proteção e controle da área de reserva legal das propriedades rurais,
e da modificação na forma de realização do seu registro junto aos órgãos competentes.

A Reserva Legal é a área localizada no interior de um imóvel rural (propriedade ou posse rural), necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, bem como à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, servindo ainda para conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna silvestre e flora nativas (art. 3º, inciso III, da Lei n.º 12.651/2012).

Como se sabe, a previsão legal para salvaguarda de área ambiental possui firme substrato constitucional. A Constituição Federal de 1988, em
seu art. 225, prescreve que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Relativamente ao controle da área de Reserva Legal, o antigo Código Florestal de 1965 previa que o controle deveria ser feito por meio da
averbação da área no Registro de Imóveis. Essa obrigação que, posteriormente, foi confirmada pela Lei nº 6.015, de 1973, ainda em vigor:

"Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
(…)

II – a averbação:
(…)

22. da reserva legal;
(…)

Art. 169 – Todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel".

O Novo Código Florestal, tal qual o antigo, ao densificar o comando constitucional, manteve a obrigação real de fazer quando diz, em seu art. 12, que "todo o imóvel rural deve manter área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva legal (…)", respeitando percentuais mínimos definidos em lei.

Não houve, portanto, alteração no que se refere à obrigação legal de preservar parte da cobertura vegetal nativa da propriedade rural. Inalterada, também, a ligação entre a manutenção de área preservada e o "princípio da função social da propriedade", reconhecido expressamente na Constituição de 1988, nos arts. 5º, inc. XXIII, 170, inc. III e 186, inc. II.

A nova norma, porém, ao alterar a redação do antigo Código Florestal, passou a vislumbrar o controle e a proteção das áreas de Reserva Legal
por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que, operando-se por novas tecnologias, utiliza-se de cartas georreferenciadas para mapear, em todo território nacional, as áreas protegidas. Em razão da nova perspectiva, o legislador passou a entender que a averbação da área de proteção junto ao cartório de registro imobiliário poderá ser facultativa:

"Art. 18. A área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR de que trata o art. 29, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento, com as exceções previstas nesta Lei.

(…)

§ 4 o O registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, sendo que, no período entre a data da
publicação desta Lei e o registro no CAR, o proprietário ou possuidor rural que desejar fazer a averbação terá direito à gratuidade deste ato. (Redação dada pela Lei nº 12.727, de 2012)".

Ao tempo em que estabelece a nova forma de registro e fiscalização, a norma prescreve clara e indiscutível condição para a dispensa da averbação no Cartório de Registro de Imóveis. De acordo com sua interpretação literal, apenas o registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis, ou seja, o registro no Cadastro Rural é fator crucial para a total aplicação do preceito legal. Se não há o registro/cadastro, permanece a obrigação imposta na Lei nº 6.015/73 para averbação na matrícula do imóvel, pois o Novo Código Florestal não preconiza liberação geral e abstrata.

Se assim não fosse, enquanto não implantado o Cadastro Ambiental Rural, ausente estaria mais uma importante forma de controle para
preservação do meio ambiente que, como dito, é direito fundamental do ser humano. Vê-se, assim, a extensão do caso em razão de uma
interpretação sistemática das normas.

Ocorre, porém, que o recém-lançado Cadastro Ambiental Rural (CAR) ainda não foi implantado no Estado de Minas Gerais, embora houvesse
previsão de que até o fim do primeiro semestre de 2013 já estivesse em funcionamento.

Não obstante, ainda que em pleno funcionamento, a legislação concede aos proprietários o prazo de um ano para se adaptarem às novas
exigências, sendo válido questionar se haveria, nesse período, obrigação de averbação a fim de garantir efetividade à proteção das áreas de
reserva.

Nesse contexto, tem-se que persiste a obrigação de averbar a reserva legal enquanto não efetivamente implantado o CAR, pois evidente que a
faculdade de averbar depende da opção pelo Registro no Cadastro Rural: não havendo o Cadastro, não há faculdade.

Observe-se, com efeito, que a averbação da área de Reserva Legal é verdadeira condição de existência do espaço protetivo, pois "o efeito da
inscrição (…) no Registro de Imóveis é o de definir a área reservada, marcando a mesma com a inalterabilidade" (Paulo Affonso Leme Machado). Além disso, como destaca o professor de Direito Ambiental:

"Essa inscrição é de alta relevância para a sobrevivência do ecossistema vegetal não só no Brasil como no planeta Terra. Essa afirmação não
é exagerada, pois a existência e manutenção das Reservas Legais não têm efeitos ecológicos benéficos somente no Brasil, mas têm também
consequências extremamente positivas além fronteiras" (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro).

A manutenção da obrigação de averbar no Registro de Imóveis, enquanto ainda não disponível o Cadastro Rural, atende, portanto, ao princípio da prevenção ambiental, tal qual previsto pela Lei nº 6.938, de 1981, em seu art. 2º:

"Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios:

(…)

IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas".

Há que se reconhecer, como dito há pouco, que a lei apenas dá concretude à diretriz constitucional de preservação; diretriz que, frise-se, é dever do Poder Público e da coletividade. A aplicação do princípio da preservação ao caso em tela não autoriza, portanto, outra interpretação que não a que exija dos proprietários, enquanto ainda não estiver plenamente em funcionamento o Cadastro Ambiental Rural, a averbação no Registro de Imóveis da área de Reserva Legal.

Por salutar, cite-se posicionamento apresentado pela Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo em caso de idêntica convergência:

PROCESSO ADMINISTRATIVO Nº 2012/44346 – ARARAQUARA – MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO – Parte: EMERSON
FITTIPALDI.

Parecer 308/2012-E.

RETIFICAÇÃO DO REGISTRO IMOBILIÁRIO – NECESSIDADE DE AVERBAÇÃO DA RESERVA LEGAL ENQUANTO NÃO IMPLANTADO O
CADASTRO DE IMÓVEL RURAL PREVISTO NO NOVO CÓDIGO FLORESTAL (LEI N. 12.651/12) – RECURSO PROVIDO.

Consigna-se, por oportuno, que o Plenário deste CNJ firmou, recentemente, entendimento acerca da matéria, por ocasião do julgamento do PCA nº 0001186-34.2013.2.00.0000 (176ª Sessão Ordinária), também de relatoria desta Conselheira, no sentido de manter hígida a obrigação da averbação da Reserva Legal, até o efetivo registro da área de proteção ambiental junto ao CAR.

O referido voto restou assim ementado:

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. LEI N.º 12.651/2012. RESERVA LEGAL. CADASTRO AMBIENTAL RURAL AINDA NÃO IMPLANTADO. MANUTEÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE AVERBAÇÃO NO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS. DISPENSA NÃO AUTORIZADA.
IMPROCEDÊNCIA.

1. O presente procedimento cuida do exame de dispositivo do Novo Código Florestal (Lei n.º 12.651/2012, alterada pela Lei n.º 12.727/2012) que provocou alterações no sistema de proteção e controle da área de reserva legal das propriedades rurais, com particular modificação na forma de realização do seu registro junto aos órgãos competentes.

2. De acordo com a interpretação literal da norma, apenas o registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro
de Imóveis, ou seja, o registro no Cadastro Rural é fator crucial para a total aplicação do preceito legal. Se não há o registro/cadastro, permanece a obrigação imposta na Lei nº 6.015/73 para averbação na matrícula do imóvel, pois o Novo Código Florestal não preconiza liberação geral e abstrata.

3. A manutenção da obrigação de averbar no Registro de Imóveis, enquanto ainda não disponível o Cadastro Rural, atende, portanto, ao princípio da prevenção ambiental, tal qual previsto pela Lei nº 6.938, de 1981, em seu art. 2º.

4. Procedimento de Controle Administrativo julgado improcedente para manter hígida a obrigação da averbação da Reserva Legal junto ao
Cartório de Registro de Imóveis.

(PCA nº 0001186-34.2013.2.00.0000 – Rel: Conselheira Ana Maria Duarte Amarante Brito)

Pelo exposto, há que se julgar procedente o presente Procedimento de Controle Administrativo para determinar a suspensão da Orientação
nº 59.512/2012 e do Provimento nº 242/2012, objetivando manter inalterada a obrigatoriedade da averbação junto aos Cartórios de Registro de Imóveis Rurais, até a efetiva implantação do Cadastro Ambiental Rural previsto na Lei n.º 12.651/12 (Novo Código Florestal).

Considerando a extensão dos efeitos da medida aqui debatida, voto, ainda, pela remessa de cópia desta decisão para todos os Tribunais de
Justiça.

É como voto.

Brasília, 17 de janeiro de 2014.

ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO
Conselheira

Fonte: DJ/CNJ | 11/03/2014.

Publicação: Portal do RI (Registro de Imóveis) | O Portal das informações notariais, registrais e imobiliárias!

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Acórdão do TJ-SP mantém base de cálculo fixa do ISS com base na atividade pessoal desenvolvida pelo Oficial

Cuida-se de apelação em face de sentença (fls. 138/140) que concedeu segurança para garantir direito ao recolhimento de ISS com base de cálculo fixa

Registro: 2014.0000123803

ACÓRDÃO

Disponibilizado em 10/03/2014

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação / Reexame Necessário nº 0270004-69.2009.8.26.0000, da Comarca de São Pedro, em que são apelantes PREFEITURA MUNICIPAL DE SAO PEDRO e JUIZO EX-OFFICIO, é apelado GLADYS ANDREA FRANCISCO CALTRAM

ACORDAM, em 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Por maioria de votos, negaram provimento ao recurso, vencido o 2º juiz.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

Voto nº 18101

Apelação nº 0270004-69.2009.8.26.0000

Apelante: Prefeitura Municipal de São Pedro Apelada: Gladys Andrea Francisco Caltram Comarca: São Pedro (Adv. Edson de Azevedo Frank).

APELAÇÃO Mandado de segurança – ISS sobre serviços de registros públicos, cartoriais e notariais. Base de cálculo. Aplicação do Decreto-lei nº 406/68 para cobrança em valor fixo. Possibilidade, tendo em vista responsabilidade pessoal do delegatário. Responsabilidade tributária por sucessão. Descabimento. Precedente desta Corte, em consonância com entendimento da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça (Expediente CG nº 12.227/99). Recurso não provido.

Cuida-se de apelação em face de sentença (fls. 138/140) que concedeu segurança para garantir direito ao recolhimento de ISS com base de cálculo fixa, declarando exigíveis, em face da impetrante, somente os impostos incidentes a partir da data da investidura como Oficial de Registro Civil na Comarca.

Defende a incidência sobre os emolumentos percebidos pelos notários, pois ostentam caráter de contraprestação remuneratória, bem como a realização de lançamento de forma retroativa.

Doutro lado, sustenta responsabilidade tributária por sucessão a autorizar cobrança referente a período anterior à investidura no cargo.

Quanto à base de cálculo, aduz descabida aplicação do Decreto-lei nº 406/68 (artigo 9º), vez que reservado à classe dos profissionais autônomos.

Pede reforma.

A hipótese comporta reexame necessário.

Recebido e processado (fls. 160), houve contrarrazões (fls. 161/177), sobrevindo parecer do Ministério Público pelo improvimento (fls. 179/182).

É o relatório.

O recurso não merece provimento. Em face da improcedência da ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil Anoreg/BR (ADI nº 3.089-2), não mais se admite discussão em torno da incidência ou não do ISS decorrente dos serviços de registros públicos, notários ou cartorários.

Contudo, a impetrante faz jus ao recolhimento de ISS nos termos do artigo 9º, §1º, do Decreto-lei nº 406/68.

Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, conforme disposto no artigo 236, “caput”, da Constituição Federal, dispositivo este regulamentado pela Lei nº 8.935/94.

Saliente-se, a propósito do tema, o que dispõe o diploma por último referido:

“Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.”
(…)

“Art. 21. O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.” (destaque nosso)

“Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelosdanos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos.”

Diante disso, tudo aponta a pessoal responsabilidade dos titulares dos cartórios, em função da delegação dos serviços feita em seu nome, mediante a aprovação em concurso público.

Este, aliás, o entendimento de Sacha Calmon, conforme artigo coletivo, publicado na Revista Dialética, acerca da base de cálculo do ISSQN incidente sobre serviços notariais e de registro público:

“… a responsabilidade dos titulares de cartórios é pessoal, em decorrência da delegação dos serviços, respondendo, de forma 
ilimitada e intransferível, pelos danos causados por eles mesmos e por seus prepostos a terceiros.”

Nesse quadro, é oportuna ainda a referência do ilustre jurista ao voto do Ministro Marco Aurélio, no julgamento da ADI nº 3.089, perante o Supremo Tribunal Federal:

“(…) Encontramo-nos, então, em posição de analisar a inserção de uma consideração isolada, obiter dictum, no voto do Ministro Marco Aurélio, do seguinte teor: 'no tocante à base de incidência descabe a analogia profissionais liberais, Decreto n° 406/68 -, caso ainda em vigor o preceito respectivo, quando existente lei dispondo especificamente sobre a matéria. O artigo 70 da Lei Complementar nº 116/03 estabelece a incidência sobreo preço do serviço."

À vista dos argumentos e considerações expostos ao longo deste Parecer, tem razão o Ministro Marco Aurélio, descabe a analogia. Embora proferida em obiter dictum, o que não obriga nem o próprio Ministro Marco Aurélio, em futuro julgamento sobre a base de cálculo adequada aos serviços de registro público, cartorários e notariais, cabe-nos ponderar que, efetivamente, é inadequada a analogia entre os serviços prestados por 'profissionais liberais', que podem se associar, formando sociedades especiais (como ocorre com os advogados), e os serviços radicalmente diferentes, prestados pelos tabeliães, notários e registradores públicos. A analogia ao parágrafo 3° do art. 9° do DL n° 406/68 somente poderia ser feita se os titulares de cartórios e tabelionatos pudessem, legalmente, integrar ou formar sociedades o que não é possível – ou pelo menos se as serventias tivessem personalidade (o que não ocorre) e, uma vez feita a analogia, o que é incompatível com nosso sistema jurídico, ela arrastaria consigo toda a problemática da vigência, superveniente ao advento da Lei Complementar n° 116, do mesmo dispositivo, o parágrafo 30 do art. 9°, constante do citado DL na 406/68.

Em verdade, o que se dá é o enquadramento direto e perfeito da prestação de serviços notariais e de registro público no parágrafo 1° do art. 9° do DL n° 406/68, de vigência não contestada.

O exercício da profissão de notário, tabelião e oficial de registro desencadeia responsabilidade personalíssima. (…)”

Veja-se, por sua vez, precedente do Egrégio Superior Tribunal deJustiça, em caso semelhante ao ora discutido:

“PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém personalidade jurídica ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva. Recurso conhecido e provido.” (destaque nosso)

Assim, entendendo-se que o artigo 9º, § 1º, do Decreto-lei nº 406/684 permanece vigente, mesmo após a edição da Lei Complementar nº 116/03 (artigo 10), tal confere aos titulares de cartórios o recolhimento do ISSQN fixo, não obstante a possibilidade de contratação de terceiros (artigo 20, da Lei 8.935/94).

A propósito, questão idêntica foi travada nos autos de mandado de segurança nº 533.01.2008.010018-2, impetrado perante a 1ª Vara Cível de Santa Bárbara D'Oeste, sendo oportuno transcrever parte da sentença ali proferida:

“… A prestação do serviço sob a forma de trabalho pessoal, ainda que suscetível de auxílio de terceiros para redação de atos, aliada à responsabilidade pessoal derivada da leidisciplinadora dos serviços notariais e de cartório, aponta para a correção da incidência da regra de exação especial, inserta no artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68. Ademais, a legislação tributária, especificamente a que diz respeito ao Imposto de Renda (Decreto nº 3.000/99, artigos 45 e 106), confere aos tabeliães, notários e oficiais de registro tratamento fiscal idêntico àquele carreado aos exemplos clássicos de profissionais liberais, como sói ocorrer em relação a médicos, engenheiros e advogados, no tocante aos quais a aplicação da regra de exação veiculada no artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68, conforme reiterada jurisprudência pátria, é fora de dúvidas, dês que o serviço seja unipessoal. Derradeiramente, entendo que a tributação sobre todo o rendimento do impetrado (ainda que ressalvadas as custas repassadas ao Estado), de fato, caracteriza inaceitável bitributação, uma vez que o rendimento já consiste na base de cálculo para apuração do Imposto de Renda, do qual é contribuinte o impetrado. E, nessa senda, avista-se-me ilícita a persecução de exação sobre o rendimento do impetrado, devendo o Município valer-se da regra de alíquotas fixas ou variáveis, nos termos do disposto no § 1º do artigo 9º do Decreto-lei nº 416/68.” (grifo nosso)

Nesse quadro, tem-se que o impetrante deve recolher ISS nos termos do artigo 9º, § 1º do Decreto-lei nº 406/68, tal como lançado na sentença.

Também não assiste razão à Municipalidade ao defender responsabilidade tributária por sucessão da impetrante, relativamente a período anterior à sua investidura no cargo.

Veja-se trecho de julgado desta Câmara: 

“Pertinente ressaltar que a responsabilidade tributária no caso é cometida na pessoa de quem exercia a função na ocasião do fato gerador. O artigo de Fábio Capraro sobre 'Regime Jurídico Tributário aplicável a Notários e Registradores', esclarece: 'As serventias extrajudiciais não possuem personalidade jurídica; não são pessoas jurídicas, nem empresas. Nesse sentido, aliás, reza o parágrafo único do art. 966 do Código Civil Brasileiro: 'Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa' (g.n)”. 'Dessa forma, notários e registradores não estão adstritos às normas tributárias e civis aplicáveis às pessoas jurídicas. A delegação é exercida após aprovação em concurso público de provas e títulos, sendo que a responsabilidade pelos atos praticados é pessoal. A outorga da delegação extrajudicial é tida inexoravelmente como ingresso originário. Não há sucessão trabalhista, tributária, civil ou de qualquer outra natureza.”

(…)

“Destacamos, também, o entendimento da Egrégia Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo sobre o tema, consoante podemos observar do expediente CG nº 12.227/99, a seguir transcrito: 'importa anotar que, como essas DELEGAÇÕES DE NOTAS E DE REGISTRO não possuem personalidade jurídica, os responsáveis pelos expedientes vagos responderão, pessoalmente, por quaisquer desvios ou abusos ocorridosdurante a sua gestão, com o aumento injustificável das despesas, que depois venham refletir na futura idoneidade financeira da unidade DELEGADA DO SERVIÇO DE NOTAS E REGISTRO'. (g.n)”.

(…)

“A corroborar essas afirmações trazemos à baila o entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria: 'registre-se que, tratando-se de delegação por concurso público, toda a titularidade na serventia é originária, não podendo ser adquirida ou transferida por qualquer forma. Por conseqüência, não há sucessão na responsabilidade tributária (art.113 do Código Tributário Nacional) e trabalhista (art.448 da Consolidação das Leis do Trabalho).

(…)

Dessarte, o cartório não possui capacidade processual, uma vez que todas as relações estão concentradas na pessoa do tabelião, que detém completa responsabilidade sobre os serviços.

 
Do contrário, a legitimidade dos cartórios apenas estenderia a responsabilidade para os tabeliães sucessores para atos pretéritos, porquanto somente eles teriam patrimônio para arcar com os resultados da demanda. Esses sucessores, entretanto, não adquiriram fundo de comércio ou foram transferidos em todos os direitos e obrigações, mas apenas assumiram delegação diretamente efetuada pelo Poder Público, estando infensos aos prejuízos ou lucros auferidos pelo seu antecessor'. (STJ, 4ª Turma, REsp.nº545.613/MG, rel. Min. Asfor Rocha, j.16.10.2003, m.v.).”

“Noutro julgado, asseverou a mesma corte, a saber: 'nessa linha de raciocínio, é de se ter presente que só poderia mesmo responder como titular do cartório aquele que efetivamente ocupava o cargo à época da prática do fato reputado como lesivo aos interesses dos autores, razão pela qual não poderia tal responsabilidade ser transferida ao agente público que o sucedeu'. (STJ, 3ª Turma, REsp nº696.989/PE, rel. Ministro Castro Filho, j.23.05.2006, v.u..).”

Assim, descabe cogitar de responsabilidade tributária por sucessão, bem como incidência do ISS sobre o faturamento, afigurando-se correta a concessão da segurança.

Posto isso, nega-se provimento ao recurso.

João Alberto Pezarini
Relator

Fonte: Arpen Brasil – TJ/SP.

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A existência de hipotecas cedulares não canceladas na matrícula imobiliária impede o registro de escritura pública de compra e venda.

CSM/SP. Compra e venda. Hipoteca cedular – cancelamento – necessidade. Legitimidade.

O Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo (CSM/SP) julgou a Apelação Cível nº 0081788-13.2012.8.26.0100, onde se decidiu pela impossibilidade de registro de escritura de compra e venda de imóvel em cuja matrícula encontram-se registradas hipotecas cedulares ainda não canceladas. O acórdão teve como Relator o Desembargador Hamilton Elliot Akel e foi, à unanimidade, improvido.

No caso em análise, o apelante interpôs recurso em face da r. sentença proferida pelo juízo a quo, que reconheceu a impossibilidade do registro da escritura pública mencionada tendo em vista a existência de registros de hipotecas cedulares na matrícula imobiliária. Em suas razões, o apelante sustenta que o vendedor adjudicou o imóvel em execução trabalhista, sendo tal adjudicação registrada na matrícula e que, em razão desta, todos os atos posteriores estariam amparados pela ordem judicial, inclusive, a posterior venda e compra. Argumentou, ainda, que o credor hipotecário foi cientificado da hasta pública, tendo apresentado embargos de terceiros julgados improcedentes.

Ao analisar o recurso, o Relator observou que não consta da matrícula do imóvel o cancelamento das referidas hipotecas, permanecendo estas eficazes, conforme disposição do art. 252 da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos). Ademais, salientou que, embora o art. 1.499 do Código Civil determine que a hipoteca se extingue pela arrematação ou adjudicação, em razão do princípio da legitimidade, enquanto não cancelada a hipoteca no Registro de Imóveis, a garantia real continua a produzir seus efeitos. Desta forma, não pode o Oficial Registrador proceder ao registro da escritura de compra e venda. O Relator observou também que os requisitos contidos no art. 251 da Lei de Registros Públicos, que exigem autorização do credor ou determinação judicial, não estão presentes, não sendo possível o cancelamento das hipotecas.

Posto isto, o Relator votou pelo improvimento do recurso.

Clique aqui e leia na íntegra a decisão.

Fonte: IRIB (www.irib.org.br).

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